terça-feira, 21 de julho de 2009

Voa

Minhas penas já tem pouso.

Rumo ao teu colo flutuaram.
Tão suaves e alvas, antes vulneráveis a menor brisa por serem alheias, não minhas. Agora as observo, cuido de sua leveza. Para que não voem de ti mas também para que não sejam peso em excesso. Porque ausências e abusos já são história.

Minhas penas já tem pouso.

Em tua direção voaram.
E tua mão precisa as acaricia e não as prende. Apenas lhes oferece abrigo em concha, para que estejam ali por vontade e vocação, não obrigação. Minhas penas te procuram pois talvez tua tinta venha ajudar a fazer minha história.

Que escrevam e voem, minhas penas.
Que te acariciem e te façam sonhar, minhas inspirações.
Que te injetem entusiasmo, meus desejos.

Liberta tuas penas, teus ais,
Tuas dores e paixões.
Voa comigo.

4 comentários:

Talita Prates disse...

MARAVILHOSO!
Inspiradíssimo, Lu!
Parabéns!
:)

Renata de Aragão Lopes disse...

"Minhas penas te procuram
pois talvez tua tinta
venha ajudar a fazer minha história."

Que linda imagem, Lu!
Amei...

Beijoca!

Luciane Slomka disse...

Oi Re! Obrigada! Esse estímulo sempre é bom para que a gente se empolgue e siga escrevendo, arriscando... Beijão pra ti!

entremares disse...

Com o maior dos cuidados, avançou, sorrateiro.
Um passo, depois outro, depois ainda outro.
Estranhamente, ela não fugiu, estremecendo simplesmente as asas quando sentiu o “clique” da fotografia.
O fotógrafo estava encantado. Uma “Papilio machaon”, bem ali à sua frente, a pouco mais de dois metros de distância, imóvel, com um enquadramento perfeito, um fundo de vegetação escura... e sem qualquer réstea de vento... a fotografia perfeita.
Avançou um pouco mais, disparando sucessivamente.
Fotografar borboletas – diriam uns – poderia ser uma ocupação excêntrica, um clichê banal da fotografia de natureza ( fotos bonitas, coloridas, vistosas... ) – mas nada disso o afectava. As borboletas, como aliás todos os insectos, eram seres extremamente fotogénicos, elegantes, de uma pose natural que dispensava treinos e ensaios – já haviam nascido modelos.
Aquela borboleta andorinha, como era habitualmente conhecida, com os seus dois chifres amarelados, parecia no entanto estranhamente à vontade, sem se importar com os estalidos incessantes da máquina fotográfica – quando muito, abanava suavemente as asas acastanhadas, sem sequer levantar voo.
Aproximou-se um pouco mais – não estaria a mais de dois palmos de distância.
A borboleta fechou as asas e quando as reabriu, ocupou por completo o visor da objectiva – imóvel, serena, brilhante.
Apeteceu-lhe – de a ver ali tão perto – tocar-lhe, sentir-lhe a suavidade das asas coloridas, a leveza do corpo elegante.
Resistiu à tentação.
Aprendera há muito a não invadir aquele mundo mágico que ficava do lado de lá da sua objectiva – o encanto existia para ser visto e apreciado, não para ser tocado ou possuido. Quando muito, a fotografia tornaria eterno aquele momento fugaz de contacto íntimo, em que o fotógrafo e o seu modelo se fundiam, ela a desvendar-se perante os seus olhos, ele a saciar-se com a sua beleza.
E foi então que, num daqueles raros momentos que as fotografias nunca conseguem captar, um pouco de magia aconteceu.
A borboleta soltou o ramo onde pousara e com um suave bater das asas, veio pousar sobre a máquina fotográfica.
As antenas douradas agitaram-se, as asas estremeceram e ali permaneceu, nuns poucos segundos com sabor a eternidade, ambos a contemplar-se, quem sabe – olhos nos olhos – tocando o mundo imaginário de um qualquer conto de fadas.
Finalmente, levantou voo e afastou-se graciosamente, rumo a outro punhado de flores.
O fotógrafo permaneceu, porém, ainda a apontar a objectiva para o local vazio onde já não existia nenhuma borboleta.
A fotografia que recordaria para sempre – aquela borboleta ali pousada, a poucos centímetros do seu rosto – não ficaria registada em nenhum outro local, senão nas suas próprias memórias.
Guardou cuidadosamente a máquina fotográfica no respectivo estojo.
A borboleta dourada esvoaçava ainda ali perto, em redor de outro canteiro de flores amarelas.
Olhou para ela... e sentiu, sem perceber como, que ela lhe estava a retribuir o olhar...