domingo, 27 de outubro de 2013

Gérberas mortas


Chego em casa e vejo tuas gérberas começando a morrer. Elas tem a cabeça baixa, derrotadas da mesma maneira que eu me senti segundos atrás quando fechei a porta para o mundo lá fora. Caminho em direção ao quarto te vejo ali deitado, inerte. Cansado de nossas batalhas verbais, talvez exausto de tua própria vida, de tuas próprias brigas. Sei que sofres tanto quanto eu, que usas tua capacidade de fuga tanto quanto eu. Ofereço o melhor sorriso possível, quem sabe um copo de coragem, mas nem recusas, não respondes, apenas me sorri de volta. Mas quando enruga os teus olhos percebo, devido ao erguer dos músculos faciais, que eles se encolhem e testemunho ali um milagre nunca visto naquele rosto. Um milagre pelo qual eu sempre pedi, sempre desejei que estivesse ali, mas nunca verbalmente requisitei, pois há coisas que não são passíveis de pedido, simplesmente precisam acontecer por conta própria: Eu vi lágrimas em teus olhos. Sabia o que aquilo significava, sabia que aquele autorizar de lágrimas não era para mim, era para ti mesmo. Alforria para tua solidão.

Te amei instantaneamente naquele segundo, amei aquelas lágrimas acumuladas em tuas pálpebras cansadas. Elas nem precisaram cair. Era só uma alegria por saber que existiam e estavam ali. Sorri mais uma vez, mas desta vez um sorriso honesto, também um fenômeno do qual eu não me recordava de reproduzir. Atiro um beijo com minha mão direita, suada por andar sempre tão fechada, tão apertada. Não sei o que tu compreendeu desse beijo.

            Deixo a porta do quarto em lágrimas, estas sim sempre estiveram comigo, não sei se sabias. Entendi a resposta para a minha chegada, entendi a resposta para as tuas gérberas: lágrimas. Simplesmente lágrimas. Derramei então a mais pura água sobre nosso vaso esquecido, adorno protocolar. 


Deitei-me no sofá, exausta, longe de ti e ao mesmo tempo mais próxima do que posso me recordar, e vou adormecendo, observando atentamente aquelas gérberas murchas, torcendo para que elas me despertem amanhã.