sábado, 30 de novembro de 2013

O drama é uma dor que não se vê


Não há pior drama do que a impossibilidade de se viver um drama.

Em meu trabalho como psicóloga especialista em Oncologia chega a saltar aos olhos a quantidade de pacientes com câncer de mama que procuram pelo apoio psicológico justamente por esse motivo: O da impossibilidade de sofrer porque deveriam agradecer.

Eu explico: são pacientes oncológicas que quase não podem ser rotuladas como tais. Seus casos são bem iniciais (situação essa que, felizmente, tende a ser cada vez mais frequente) porque a doença foi detectada precocemente. Isso dá a elas a feliz possibilidade de não precisarem realizar a quimioterapia, tratamento mais conhecido, mais radical e por isso o mais temido em termos de efeitos adversos. 

O mais conhecido destes efeitos é a perda do cabelo. Muitas vezes é nessa hora que a paciente parece virar de fato, paciente. É quando ela está visivelmente em sofrimento para o meio externo, momento em que as pessoas então passam a protegê-la, questioná-la sobre sua condição emocional, poupa-la de determinados assuntos ou situações porque ela "precisa de apoio". 

Mas e quem não usa lenço ou chapéu? Quem não carrega nenhuma denúncia visivel em seu corpo de que algo se passa com ele? Quantas pessoas que você nem imagina cruzam a rua por você diariamente e podem secretamente estar lutando contra uma doença grave, seja ela crônica ou aguda, letal ou não. O fato é que essas pacientes buscam o apoio emocional justamente para poderem ter o espaço, o direito de poder sofrer. Porque familiares e pessoas a sua volta não permitem, não admitem (por fragilidade e não má intenção) terem de se deparar com a tristeza, porque essa pacientes precisam, ao contrário de sofrer, agradecer a "sorte" de terem detectado a doença bem no início e não precisarem fazer quimioterapia.

Sorte? Sorte é de quem passa pela vida sem ter de se confrontar com sua finitude dessa forma tão direta, tão sem trégua que é a vivência de um câncer. Tem aprendizados? Evidente. Muitas vezes é só vivenciando algo dessa magnitude que muitas pessoas conseguem perceber o quanto somos onipotentes e por isso perdemos tanto tempo e tantas oportunidade pela nossa fantasia de eternidade. Mas o que essas mulheres vêm buscar quando buscam um atendimento psicológico me parece algo que está em falta em vários âmbitos e aspectos: a possibilidade de se estar em sofrimento mesmo sem ter "motivo".

Mas quem saberá de fato qual é o verdadeiro motivo que justifica um sofrimento, um choro compulsivo? Quem sou eu ou você para julgar alguém que chora porque manchou de forma definitiva sua blusa caríssima preferida? Por que só quem está morrendo teria o direito de chorar? Por que temos que esperar as coisas estarem péssimas para chorar e então, seguindo a mesma lógica, espetaculares para termos o direito de celebrarmos com alegria desenfreada? 

Medidas, limites,... Reações não tem fórmulas nem protocolos. Eu me concedo o direito de chorar por cada uma de minhas dores, o direito de me arrepiar de alegria com o mais bobo dos acontecimentos. Porque a vida não traz nenhuma garantia de que termine bem; nem mal. Mas termina. Essa é a certeza. Então esteja certo de chorar ou sorrir quando quiser, porque querer já é um pouco precisar.

domingo, 24 de novembro de 2013

Peças


Enquanto o mundo anda maquiado, eu sigo com a cara lavada.

Enquanto outras unhas estão sempre pintadas, as minhas vão se quebrando cruas, por aí. 

Já faz tempo que não sei atuar, que não sei dançar conforme a música, que não sorrio com facilidade. 

Ainda assim, fico olhando para esse mundo perolado e sei que sou parte dele, que faço parte do grande teatro e que talvez tudo isso que sinto não passe de uma enorme vaidade disfarçada de comiseração.

Mas não sei de festa alguma; sei mesmo é da peça de nossos tempos, onde tudo parece palco sem bastidores. Ninguém esconde mais nada dos outros para seguir escondendo de si próprio. E talvez eu mesma, com essa necessidade de me esconder e reencontrar minhas coxias, de abandonar por um tempo esse grande palco, seja a maior e mais astuta atriz que já conheci.
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