quinta-feira, 29 de julho de 2010

Eu aprendi, Clarice



"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro… Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu… Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma."

segunda-feira, 26 de julho de 2010

XXXII

Eu estou prestes a completar 32 anos de vida. Trinta e dois. Parece tão estranho.

Ainda me sinto uma menina e ao mesmo tempo uma senhora. Me sinto renascendo e também aprendendo a morrer. Eu já tenho mais calma, mas também mais pressa. Pressa de poder viver o que estou escolhendo, calma de esperar o que ainda não quero mas que já descobri.

Amar parece óbvio mas foi descoberta recente. Amor entrega, amor risco, amor amor. Me absolvi dos erros que eu já cometi ao poder viver de maneira nova, com a verdade bem ao meu lado, ou melhor, dentro de mim. Posso dizer que venho me perdoando.

Eu sigo querendo aprender a lidar com as palavras e respeitá-las, respirá-las, honrá-las. Eu sigo querendo ser melhor, exigir mais do que quero ser e menos do que fui. Venho me permitindo esperar mais de mim, mesmo que eu chegue a me desapontar.

É uma lição de humildade e de auto-reconhecimento ao mesmo tempo, isso de se tornar melhor e mais do que já se é.

Aprendo cada dia mais que as pessoas são imprescindíveis e que eu posso sim ser indispensável. E ainda assim ser descartável. Sem dramas, nem deméritos. Simplesmente porque a vida é assim. Ela e seus paradoxos. Ah, os paradoxos! As ambiguidades, as ambivalencias! Outra descoberta recente, a de que elas sempre existiram e eu era quem nunca tive coragem de olhar para elas.

coragens. medos. ganas. raça. confiança. entrega. incerteza. vinculo. esperança. vulnerabilidade. vontade. futuro. laços. asas. flores. chuva. corrida. sorrisos. amor.

Que meu caminho para os 33 seja cheio dessas palavras; que minha vida seja plena de novas descobertas e que eu não canse nunca de me perguntar, de pensar, de confiar, de temer, de me atirar e de crer. Sempre crer.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Confessando à vida


Esse é o título do meu novo blog. Um espaço mais profissional, com relato de vivências, experiências, reflexões e um pouco de teoria a respeito do desafio diário de lidar com a perda e com a ameaça de se estar enfermo, seja física ou psicologicamente.

Opinem, divulguem.

Obrigada.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Será que é isso?

...e quando te sinto assim perto fico pensando que fui eu quem consegui chegar tão próximo, quase colar em tua presença, te deixar entrar em meu mundo e ainda assim tentando te mostrar quem sou para que me vejas outra, para que me vejas nova e não apenas complemento de ti. Porque quero ser tua multiplicação e tua adi(c)ção.

Nesses dias de amor intenso e puro eu fico aqui me perguntando que pedaço é esse de nós que a gente empresta, ou dá ao outro que nos faz olhar para esse outro e para nós mesmos com novos olhos? Quem é esse ser que nos tornamos, os amantes e os amados, que nos faz tão belos e tão assustadoramente inteiros, apesar de sempre incompletos?

Eu nunca tive tanto medo e tanta coragem ao mesmo tempo.

Talvez seja isso, amar.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Lindo

"Ler é fazer amor com as palavras"
Rubem Alves

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quente


Eu quero vestir cada linha, cada palavra do que eu leio como se fosse a roupa do meu corpo. Melhor, eu quero que a palavra seja a minha própria pele. Suave ou forte, mas que revesta a minha alma.

O que se lê e se inscreve na pele não se apaga, não se despe, não se perde.

Eu quero cada letra e toda sabedoria que elas podem me despertar. E que então minha pele vá se espessando, crescendo, até que as roupas se tornem meros adornos, comecem até a rasgar-se e tornarem-se desnecessários, porque o calor já estará vindo de dentro de mim para debelar qualquer inverno.

terça-feira, 6 de julho de 2010


Talvez eu seja essa condição intermediária que já percebeu há algum tempo que não existem presentes, nem conquistas, nem vitórias mas que também não existem derrotas. Porque pensar isso pressupõe pensar que existem antagonismos que na verdade são a mesma face de uma mesma moeda. É a velha lógica do bom e do mau, do certo e do errado, do vilão e do herói. E na vida real as coisas não são assim tão simples.

O que existem são acontecimentos. O que existem são expectativas e vontades. Eu não sei se sou melhor ou pior do que ninguém porque estamos todos em pontos completamente diferentes e ao mesmo tempo, todos no mesmo barco. Eu não sei de que ponto você partiu até porque nem sei onde você quer chegar. Aliás, onde está a estrada? É engraçado começar a se ter a noção clara de que se está tomando um rumo leal ao nosso próprio coração ou à nossa propria sensação mas ao mesmo tempo perceber - e consentir - que há cada vez menos estradas ou rotas para se chegar a isso.

Não há porque temer. Não há estrada, não há destino, não há competição além das que travamos conosco. E em nossas lutas diárias perde-se muito mais por se julgar só ganhador do que por realmente ganhar o aprendizado de perder.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Essa vida é uma rótula


Hoje de manhã, enfrentando a rótula da Nilo Peçanha, aqui em Porto Alegre, fiquei pensando que a vida é bem parecida com uma rótula de trânsito.

Em princípio, deve-se dar preferência a quem já esteja trafegando nela. Precisamos saber a hora certa de poder entrar, de pedir passagem, para que não haja colisões.

Mas todos, todos, deveriam ter que parar. Mas quase nunca é o que acontece. Quem vem da Nilo Peçanha, avenida grande, de maior velocidade, parece que se sente no direito de seguir adiante, à frente de quem vem das ruas menos movimentadas.

Eu, no trânsito e na vida, quero andar pelas vias menos usadas, não quero trafegar onde todo mundo trafega, não quero dirigir rápido demais. Quero parar alguns segundos antes de cada rótula para ver o que está a minha frente.

Eu sempre paro nas minhas rótulas. Tem gente que ignora as suas. Ignora até que existam outros carros querendo passar também. Carros maiores, menores, mais velozes, mais potentes, mais antigos, mais chiques. Mas são todos carros.

Somos todos gente. Sei lá, não quero ser atropelada nessa vida, não quero mais colisões e nem quero ter perda total. Porque a vida real não tem seguro.