domingo, 22 de dezembro de 2013

Tornar-se Pessoa

Hoje pela manhã eu li a crônica da Diana Corso, psicanalista gaúcha, chamada "Escutando os fogos", onde ela trata sobre a euforia quase imposta e obrigatória em tempos de festas de final de ano. Concordo com ela que fechamentos - sejam quais forem - são complexos e exigem reflexão e por que não um pouco de silêncio também. Mas o que mais me chamou a atenção em seu texto foi quando ela rememora seus Natais passados com a avó e fala de uma caneca da casa dos pais que continha uma frase que ela jamais esqueceu. E então, falando da importância dessas primeiras frases inesquecíveis de nossas vidas, ela nos brinda com o seguinte pensamento: "Pouco valorizamos a força das primeiras palavras que decodificamos por conta própria, saboreadas com paladar virgem. A leitura das primeiras frases, então, impõe verdadeiras jornadas filosóficas aos iniciantes." 

Essa própria frase me remeteu imediatamente ao meu primeiro poema da infância decorado, instintivamente. Até então eu sempre dizia que era uma frase e nunca recordava exatamente quem a havia dito ou escrito, nem por que. Mas eu adorava repeti-la, ainda adolescente, especialmente por achar lindo poder saber alguma frase poética de cor. Lendo Diana e a sua frase da caneca, lembrei da minha frase, que na verdade é um poema de ninguém menos do que Fernando Pessoa, que diz assim:

"Teu olhar não tem remorsos
Não é por não ter que os ter,
É porque hoje não é ontem
e viver é só esquecer."

Tenho absoluta certeza de que quando descobri esse poema e quando o decorei, não tinha nem vaga ideia de tudo o que ele representava. Nem tinha ideia de quem era Fernando Pessoa. Não sei que força essas palavras exerceram sobre meu paladar virgem, como Diana tão bem colocou. Viver é só esquecer, disse ele, quando eu tão jovem era. Quando eu ainda nem contabilizava memórias suficientes para armazenar em todo meu espaço. 

Hoje entendo que viver é esquecimento. Mas entendo também que para esquecer é preciso ter a capacidade de lembrar, é preciso ter a capacidade de armazenar lembranças. E sei também dos remorsos, dos meus, dos nossos, dos remorsos que se tornam rancores, dos remorsos que se tornam sorrisos e dos remorsos que viram enormes saudades. Hoje não é ontem, e o amanhã nunca chega... Quanta coisa me disse Pessoa para ouvidos ainda tão iniciantes, ouvidos brincalhões e um pouco surdos também - ainda bem. Jamais esqueci da primeira frase que eu na vida decorei. 

Irônico eu decorar um poema que fala justamente que a vida é esquecer. Irônico eu começar a tentar me tornar pessoa decorando Pessoa. Irônica a infância ser o ontem que precisamos forçosamente esquecer. Irônica vida, tão bela, tão esquecida, tão ontem que não mais existe. Tão amanhã que nunca chega. 

Link para a crônica da Diana: (http://www.marioedianacorso.com/escutando-os-fogos)

sábado, 7 de dezembro de 2013

Um poema para Ana Cristina Cesar














Ana diz "angústia é fala entupida"
Eu, que renasci de paradoxos,
Hoje entendo que aprender a mentir
ainda é o melhor caminho para descobrir-se verdadeiro
Entendo que mastigar os cabelos molhados é comer-se um pouco,
ser capaz de sentir o gosto de si e de tudo aquilo que nos voa

Ana diz "angústia é fala entupida"
Eu digo, parida da dúvida, escondida nas horas
Que consegui enfim podar minhas raízes e que por ela, agradecida,
Ainda hei de aprender a matar-me sem precisar morrer.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Correios

Por certo eu não preferiria ser invólucro
sem essência, mas cansa ser só conteúdo
sem envelope que me envie de volta
Envelope importa mais do que a carta
Carta sem envelope é folha em branco
Carta sem envelope é língua sem beijo.
Há tempos não me escrevo, 
Reenvio

sábado, 30 de novembro de 2013

O drama é uma dor que não se vê


Não há pior drama do que a impossibilidade de se viver um drama.

Em meu trabalho como psicóloga especialista em Oncologia chega a saltar aos olhos a quantidade de pacientes com câncer de mama que procuram pelo apoio psicológico justamente por esse motivo: O da impossibilidade de sofrer porque deveriam agradecer.

Eu explico: são pacientes oncológicas que quase não podem ser rotuladas como tais. Seus casos são bem iniciais (situação essa que, felizmente, tende a ser cada vez mais frequente) porque a doença foi detectada precocemente. Isso dá a elas a feliz possibilidade de não precisarem realizar a quimioterapia, tratamento mais conhecido, mais radical e por isso o mais temido em termos de efeitos adversos. 

O mais conhecido destes efeitos é a perda do cabelo. Muitas vezes é nessa hora que a paciente parece virar de fato, paciente. É quando ela está visivelmente em sofrimento para o meio externo, momento em que as pessoas então passam a protegê-la, questioná-la sobre sua condição emocional, poupa-la de determinados assuntos ou situações porque ela "precisa de apoio". 

Mas e quem não usa lenço ou chapéu? Quem não carrega nenhuma denúncia visivel em seu corpo de que algo se passa com ele? Quantas pessoas que você nem imagina cruzam a rua por você diariamente e podem secretamente estar lutando contra uma doença grave, seja ela crônica ou aguda, letal ou não. O fato é que essas pacientes buscam o apoio emocional justamente para poderem ter o espaço, o direito de poder sofrer. Porque familiares e pessoas a sua volta não permitem, não admitem (por fragilidade e não má intenção) terem de se deparar com a tristeza, porque essa pacientes precisam, ao contrário de sofrer, agradecer a "sorte" de terem detectado a doença bem no início e não precisarem fazer quimioterapia.

Sorte? Sorte é de quem passa pela vida sem ter de se confrontar com sua finitude dessa forma tão direta, tão sem trégua que é a vivência de um câncer. Tem aprendizados? Evidente. Muitas vezes é só vivenciando algo dessa magnitude que muitas pessoas conseguem perceber o quanto somos onipotentes e por isso perdemos tanto tempo e tantas oportunidade pela nossa fantasia de eternidade. Mas o que essas mulheres vêm buscar quando buscam um atendimento psicológico me parece algo que está em falta em vários âmbitos e aspectos: a possibilidade de se estar em sofrimento mesmo sem ter "motivo".

Mas quem saberá de fato qual é o verdadeiro motivo que justifica um sofrimento, um choro compulsivo? Quem sou eu ou você para julgar alguém que chora porque manchou de forma definitiva sua blusa caríssima preferida? Por que só quem está morrendo teria o direito de chorar? Por que temos que esperar as coisas estarem péssimas para chorar e então, seguindo a mesma lógica, espetaculares para termos o direito de celebrarmos com alegria desenfreada? 

Medidas, limites,... Reações não tem fórmulas nem protocolos. Eu me concedo o direito de chorar por cada uma de minhas dores, o direito de me arrepiar de alegria com o mais bobo dos acontecimentos. Porque a vida não traz nenhuma garantia de que termine bem; nem mal. Mas termina. Essa é a certeza. Então esteja certo de chorar ou sorrir quando quiser, porque querer já é um pouco precisar.

domingo, 24 de novembro de 2013

Peças


Enquanto o mundo anda maquiado, eu sigo com a cara lavada.

Enquanto outras unhas estão sempre pintadas, as minhas vão se quebrando cruas, por aí. 

Já faz tempo que não sei atuar, que não sei dançar conforme a música, que não sorrio com facilidade. 

Ainda assim, fico olhando para esse mundo perolado e sei que sou parte dele, que faço parte do grande teatro e que talvez tudo isso que sinto não passe de uma enorme vaidade disfarçada de comiseração.

Mas não sei de festa alguma; sei mesmo é da peça de nossos tempos, onde tudo parece palco sem bastidores. Ninguém esconde mais nada dos outros para seguir escondendo de si próprio. E talvez eu mesma, com essa necessidade de me esconder e reencontrar minhas coxias, de abandonar por um tempo esse grande palco, seja a maior e mais astuta atriz que já conheci.
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domingo, 27 de outubro de 2013

Gérberas mortas


Chego em casa e vejo tuas gérberas começando a morrer. Elas tem a cabeça baixa, derrotadas da mesma maneira que eu me senti segundos atrás quando fechei a porta para o mundo lá fora. Caminho em direção ao quarto te vejo ali deitado, inerte. Cansado de nossas batalhas verbais, talvez exausto de tua própria vida, de tuas próprias brigas. Sei que sofres tanto quanto eu, que usas tua capacidade de fuga tanto quanto eu. Ofereço o melhor sorriso possível, quem sabe um copo de coragem, mas nem recusas, não respondes, apenas me sorri de volta. Mas quando enruga os teus olhos percebo, devido ao erguer dos músculos faciais, que eles se encolhem e testemunho ali um milagre nunca visto naquele rosto. Um milagre pelo qual eu sempre pedi, sempre desejei que estivesse ali, mas nunca verbalmente requisitei, pois há coisas que não são passíveis de pedido, simplesmente precisam acontecer por conta própria: Eu vi lágrimas em teus olhos. Sabia o que aquilo significava, sabia que aquele autorizar de lágrimas não era para mim, era para ti mesmo. Alforria para tua solidão.

Te amei instantaneamente naquele segundo, amei aquelas lágrimas acumuladas em tuas pálpebras cansadas. Elas nem precisaram cair. Era só uma alegria por saber que existiam e estavam ali. Sorri mais uma vez, mas desta vez um sorriso honesto, também um fenômeno do qual eu não me recordava de reproduzir. Atiro um beijo com minha mão direita, suada por andar sempre tão fechada, tão apertada. Não sei o que tu compreendeu desse beijo.

            Deixo a porta do quarto em lágrimas, estas sim sempre estiveram comigo, não sei se sabias. Entendi a resposta para a minha chegada, entendi a resposta para as tuas gérberas: lágrimas. Simplesmente lágrimas. Derramei então a mais pura água sobre nosso vaso esquecido, adorno protocolar. 


Deitei-me no sofá, exausta, longe de ti e ao mesmo tempo mais próxima do que posso me recordar, e vou adormecendo, observando atentamente aquelas gérberas murchas, torcendo para que elas me despertem amanhã.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Vida, interrompida



"I feel tougher and braver". Assim define-se a americana que resolveu mostrar ao mundo a sensação de enfrentar um câncer antes dos 30. A série de vídeos tem o nome de "Life, interrupted", e foi produzido pelo New York Times e já indicado ao Emmy 2013!

Uma maneira direta e verdadeira de compartilhar as dores e as lições de passar por uma situação como esta. Ainda estou trabalhando para colocar legendas, mas para quem já puder compreender, as lições que ela traz fazem-nos pensar que a vida vale sempre a pena, não importa qual seja. E embora nossa vida possa ser sempre e a qualquer momento interrompida, pode e deve ser retomada de uma maneira muito mais verdadeira e forte.

Bom final de semana!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O resgistro de uma dor invisível


           O câncer é um estereótipo, quase um clichê, assim como a vida. O ensaio publicado por Ângelo Merendino em homenagem à batalha que sua esposa travou diante de um câncer de mama é retratada em fotos contundentes, afetivas e impactantes, que tem como propósito a busca por um olhar menos preconceituoso e temeroso sobre quem vive esse diagnóstico.



Um olhar ingênuo diria que são fotos em cronologia, desde o início do relacionamento do casal até o início do tratamento quimioterápico culminando com a morte de Jennifer, sua esposa. Porém, esse ensaio é muito mais do que isso. O objetivo de Ângelo foi fazer com que as pessoas conhecessem mais sobre a doença, fizessem um exercício de empatia e, mais do que tudo, ele queria mostrar que o apoio e a vontade de viver do paciente é fundamental. Nas imagens podem-se perceber detalhes importantes. É marcante em muitas delas o olhar dos outros frente à esposa. Olhares de surpresa, de compadecimento, de incompreensão. As pessoas tem muita dificuldade em enxergar sua própria finitude diante de seus olhos. Somos uma sociedade embriagada de uma ilusão de imortalidade que só é rompida – quando o é – por situações como essa, por pessoas que decidem se expor e mostrar suas fragilidades para que as pessoas possam sensibilizar-se e pensar também sobre como vem vivendo suas próprias vidas e como elas próprias agiriam caso se vissem diante de um desafio como o que Ângelo e Jennifer enfrentaram.



 
Ouse olhar cuidadosamente para essas lindas imagens. Não porque a morte seja linda, porque sabemos que não é, mas porque a vida é linda, e precisamos constantemente lembrar que não é eterna, que não somos imbatíveis. Por vezes, a melhor forma de curar uma dor - como a de perder uma jovem esposa para uma doença ainda tão incompreensível como o câncer - pode ser torna-la concreta e palpável, mesmo que através de imagens, para digeri-la com menos sofrimento e para mostrar a outras pessoas que é preciso estar-se atento ao próprio corpo, atento à própria vida, para que não a percamos mesmo quando ainda temos saúde. Esse ensaio é o retrato de uma batalha de 5 longos anos.

Se valeram a pena? Ele afirma que não trocaria esses 5 anos que viveu com ela por nada no mundo.



Fonte: http://www.hypeness.com.br/2013/03/marido-registra-5-anos-de-luta-de-sua-mulher-contra-o-cancer-em-fotos-emocionantes/

Matéria da Revista Eléve Jun/Jul 2013


terça-feira, 9 de julho de 2013

AMORTE


Qual foi a primeira palavra que vocês leram aqui? Amor? Morte? A morte? Como pode amor e morte se unirem de tal forma? Serão sentimentos opostos? Certamente não. E hoje, meu enfoque ao tratar de um tema tão amplo, tão multifacetado mas ao mesmo tempo tão singelo e simples será abordar o amor sob a ótica da morte, o amor como companheiro inseparável da vida e da morte.

O dicionário me surpreendeu com os seguintes significados para a palavra amor: 1 Sentimento que impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso. (Ora, o que será belo, digno ou grandioso?) 2 Grande afeição de uma a outra pessoa de sexo contrário. (sexo contrário? Como?) 3 Afeição, grande amizade, ligação espiritual. 4 Objeto dessa afeição. (Sim, o amor requer um alvo)5 Benevolência, carinho, simpatia. 6 Tendência ou instinto que aproxima os animais para a reprodução. 7 Desejo sexual. 8 Ambição, cobiça: Amor do ganho. 9 Culto, veneração: Amor à legalidade, ao trabalho. 10 Caridade. 11Coisa ou pessoa bonita, preciosa, bem apresentada. 12 Filos Tendência da alma para se apegar aos objetos.

Quantas palavras importantes e que nos fazem pensar. Mas nenhuma dessas definições consegue para mim, defini-lo. Porque ele é indefinível. Amor é afeição, amizade, ligação e também poder e cobiça. Flávio Gikovate escreveu há pouco tempo o texto “O amor no terceiro milênio”, onde diz, entre tantas coisas interessantes, que a palavra de ordem deste século é parceria. “Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso dela- o que é muito diferente.”
Fato, o amor mudou. Nossas exigências também mudaram e nossos medos também. Realmente, parece que ninguém mais necessita de um amor para ser feliz. Mas será mesmo? Será que não seguimos, em nossa essência, os mesmos apaixonados dos versos de Luiz de Camões, feridos de uma dor que não se sente, padecendo de um contentamento descontente? Acho que estamos em uma década de negação da necessidade e da dependência. Parece fraqueza precisar. Eu entendo a necessidade como uma luta contra a morte. Não a morte orgânica, concreta, mas sim a morte emocional, morte da metáfora. Precisar nos faz inventar, e é inventando novas formas de amor que nos tornamos eternos.

Morre-se de amor em filmes, na literatura, nas canções. O amor precisa da morte assim como a morte precisa da vida. E por mais que pareça incompatível, a morte está impregnada de amor e o amor impregnado de morte. Se não soubéssemos que vamos morrer, viveríamos mal, e ao não saber que temos um prazo de validade, viveríamos como se fôssemos eternos. E mesmo sabendo, já vivemos dessa maneira, já somos tão descuidados com nossos afetos... Com o amor a coisa funciona mais ou menos do mesmo jeito. Precisamos temer que acabe para cuidar e querer mantê-lo, cuida-lo, mas também não podemos a toda hora temer que acabe e que vamos perde-lo pois do contrário amar seria tarefa insuportável e torturante. Ufa. Como amar e precisar sem sucumbir?

Talvez Hilda Hilst me ajude com essa:

“Estou viva.
Mas a morte é música.
A vida, dissonância.
Minha alegria é como
Fim de outono porque
Tive nas mãos ainda flores
Mas flores estriadas de sangue.

Há cristais coloridos
Nos teus olhos.
Vida viva nos teus dedos

Estou morta
Mas a morte é amor.”

Estou morta mas a morte é amor. Amar é um pouco morrer-se, abandonar-se à sorte de se ver no outro. E como assusta essa entrega. Assusta porque enxergamos no outro o que somos, e independente de isto ser algo bonito ou não, é difícil ver uma parte nossa detendo tanto poder sobre nós e com vida própria, autônoma. A impotência de percebermos que não podemos controlar nem nosso próprio pedaço que demos aquele outro - e na verdade a gente esquece que “deu” esse pedaço, parece mesmo é que ele nos foi tomado por esse alguém que antes era um desconhecido. Então eu tento controla-lo. Tento dominá-lo. Morrendo de medo, morrendo de amor, morrendo de ciúme quando não me sinto exclusiva. O ciúme, assim como o amor, também é uma morte. E ao meu ver, uma morte ainda pior do que a verdadeira. O ciúme, nos diz Roland Barthes, é um sofrimento para quem o sente, mais do que para qualquer outro. Diz ele: “Como ciumento, sofro 4 vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme fira o outro, porque me deixo sujeitar por uma banalidade: sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”.
Ciúme também é morte porque no momento em que estamos enciumados matamos a dupla que formamos com o nosso ser amado e inserimos uma terceira pessoa, que nem mesmo é aquela para qual dirigimos toda nossa hostilidade. A morte é de nossa imagem perante nós mesmos. Quando sinto ciúmes estou me matando, estou matando um sentimento de entrega e afeto e inalando perda. A dupla vira um trio e esse triangulo perfura minha identidade de apaixonada. Não acho saudável a ausência completa de ciúmes, até porque quem ama sempre teme a perda. Um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, é o “ADAPTAÇÃO”, onde Nicholas Cage interpreta irmãos gêmeos, escritores. Um é o irmão artista, famoso, que deu certo. O outro é o irmão tímido, introspectivo, com a autoestima derrubada e frustrado, sempre enxergando no irmão o retrato do que nunca conseguiu se tornar. Então, na minha cena favorita, ambos estão se escondendo de um casal em um pântano. O irmão até então corajoso e destemido aparece apavorado, sem saber o que fazer, mencionando seu grande medo de morrer. Ele diz:
“ - Não quero morrer, Donald, não quero morrer! Eu desperdicei minha vida.
- Não diga isso, e você não vai morrer!”
- Desperdicei, desperdicei... Eu te admiro, Donald. Sabia? Passei a vida paralisado, me preocupando com o que as pessoas pensavam de mim, e você, você tão distraído...
- Não sou distraído.
- Não, você não entende. Isso é um elogio! Uma vez na escola eu estava vendo você pela janela da biblioteca. Você conversava com a Sarah Marsh.
- Ah, eu estava tão apaixonado por ela....
- Eu sei. E estava paquerando ela. Ela estava sendo gentil com você...
- Eu me lembro disso...
- Quando você saiu, ela começou a debochar de você com uma amiga. Foi como se elas estivessem rindo de mim. E você, não sabia de nada...parecia tão feliz...
- Eu sabia. Eu ouvi tudo que elas falaram.
- Então por que estava feliz?
- Eu amava Sara, Charles. Aquele amor era meu. Pertencia a mim. Nem Sara tinha o direito de me tirar ele. E eu posso amar quem eu quiser.
- Mas ela te achava patético!
- (Ele ri) Bom, isso era problema dela, não meu. VOCE É O QUE VOCÊ AMA, NÃO O QUE AMA VOCÊ.

Nós somos o que amamos, não o que nos ama. E isso nos dá poder, mesmo que nosso amor esteja depositado no outro, ele é nosso, está em nós e por isso nos pertence.
Eu trabalho ha quase dez anos com pacientes oncológicos em um hospital. Lido com perdas e mortes reais. E o amor está ali o tempo todo. Amor vivido, amor escondido, amor subjugado, amor mal vivido. Na hora em que vemos nossa finitude nos encarar, é preciso recorrer a essa capacidade de amor que temos, uns mais outros menos. E nem por isso, nem mesmo frente ao caos, precisamos sucumbir. Porque o que afoga não é a enchente, o que afoga é não saber nadar. Para quem não aprendeu a nadar até lago parado afoga. E o amor é isso, lago parado e oceano ao mesmo tempo, às vezes calmo, às vezes com correntezas. A questão é a nossa capacidade de estar sempre aprendendo novas técnicas para nadar em mares tão bravios. Vejo pessoas morrendo mal. E chamo morrer mal de morte com relações vazias, com coração vazio. Pessoas que morrem sem terem se despedido, sem nunca terem conseguido dizer que amam aqueles que amam. Isso para mim é o maior dos desamores.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Voltando a crer!

Após meses de ausência, mas nunca sem abandonar a literatura, volto a escrever por aqui trazendo meu segundo texto como colaboradora do site Literatortura. Espero que gostem. Estou de volta.

http://literatortura.com/2013/05/29/ate-a-morte-fotografo-retrata-o-avanco-do-cancer-em-sua-esposa-e-comove-o-mundo/