segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Odeio quem não sabe chamar elevadores

O pequeno painel eletrônico acima da porta indica que o elevador ainda está a muitos andares de chegar até mim. A porta fechada e eu ali o esperando. Outra pessoa então se aproxima, eu a olho por um milésimo de segundo e sorrio muito discretamente. Cansei de me emprestar assim por pouco. Sorrir não é mais tão simples, não é apenas mostrar os dentes. Sorrir hoje carrega um esforço de erguer os cantos da boca repuxados por uma esperança que ultimamente tem me faltado.

Eu não quero mais olhar para a pessoa que aguarda pelo elevador ao meu lado. Odeio pessoas que não sabem chamar o elevador: se querem subir e o elevador está andares acima, apertam o botão para ele descer. Pessoas estúpidas que acham que podem mandar o elevador descer até elas. Devíamos tratar elevadores e pessoas do mesmo jeito. Sinalizamos o que esperamos deles. E então que ele venha até nós. Não posso mandar que alguém desca ou suba até mim antes de dizer o que vou fazer com esse alguém. Odeio quem não sabe chamar elevadores. Odeio quem não sabe chamar por mim. Odeio o fato de pessoas não serem tão simples como elevadores e, ainda assim, até os elevadores parecem tão difíceis para tantas pessoas.

Quando a porta finalmente abre, entro e dou uma rápida olhada para minha imagem no espelho. Pareço cansada. Olheiras disfarçadas pela base e pelo pó, mas não disfarçadas pelo brilho dos meus olhos que instantes atrás se apagou. Não sei se foi o peso do dia, se foi a expectativa ainda não alcançada ou o café morno e fraco da lancheeria da empresa. O rímel parece estar ali tentando erguer meus cílios com a mesma força que tive que fazer para levantar da cama nessa manhã. Olho para mim mesma no espelho como quem cumprimenta um conhecido distante, com um mero levantar de sobrancelha.

A pessoa me acompanha, entra e permanece ao meu lado. Estamos indo ao mesmo andar. Descendo. "Térreo, por favor", ela diz. Não sou ascensorista e vê se presta atenção. Eu já tinha apertado no térreo, não viu a luzinha do "P" acesa? Essas palavras só gritaram na minha mente, é claro. O silêncio desceu conosco do 7° andar ao térreo. E aliás, por que o térreo é representado pela letra P? Por que não T?

Não tô nem aí se não falo nada, se ela não fala nada. Não quero olhar para o lado, não sei nem a cor da blusa que essa pessoa usa. Nem mesmo sei se é homem ou mulher. Não me importa. Só quero ir para casa. Estou cansada. O elevador pára e antes que pudéssemos sair logo daquela caixa , uma senhora toda sorridente na recepção do prédio pergunta: "Sobe?"

Odeio quem não sabe chamar elevadores.

17 comentários:

J.F. de Souza disse...

Então, você iria AMAR a molecada do prédio onde moro. Sabe o que eles gostam de fazer? Apertar váááááááááários botões dentro do elevador, por exemplo, os do 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º... e eu querendo ir ao 18º.

adri antunes disse...

huahuahuahua, olha eu concordo com o JF, apesar de ser uma balzaca toda empetecada por causa do tempo (sim, sou a moça da previsão do tempo) dentro de mim mora um moleque pentelho de seis anos que além de viver querendo atear fogo no mundo, morre de vontade de apertar todos os botões quando entra no elevador! ehehe, adorei este teu post, às vezes a gente tá assim mesmo, querendo que tudo vá praquele lugar pequenininho e monossilábico, e tem que mandar mesmo, mas o melhor é escrever, assim vc diverte pessoas como eu, ehehe
bjuuu enorme!

Luciane Slomka disse...

Ainda estou treinando no terreno da ironia no blog. Por trás da aparente leveza do tema tem uma coisa mais densa na questão da metáfora do elevador e das expectativas das pessoas.

Mas enfim, acho que conto não se explica; só se conta e cada um lê como quer.

Obrugada pelos comentários!

Felipe Polydoro disse...

Outro dia eu li em algum lugar: o Coetzee é o melhor escritor vivo. Mas deixa a gente num mau humor...

marcelo disse...

Oi Lú! Adorei muito!!
Gosto quando tu coloca tua ira para fora desse jeito, tu ganha força e cresce. Vai passar.
O texto não é irônico, muito pelo contrário.
Todos estamos procurando por alguém que entenda quais botões são os que nos fazem subir e descer. Torço para que cedo possa levantar esse teu olhar para enxergar novamente!

Natacia Araújo disse...

Texto bem sacado!

Nádia Lopes disse...

Ah, Lu
fiquei tão feliz de usar 2 lances de escadas e só atravessar a rua pra trabalhar, reafirmei minha qualidade de vida e minha felcidade diária!
beijooo

J.F. de Souza disse...

Você não precisa "explicar" nada, não, moça.

E me perdoe o comment que aparenta ser deveras superficial. Foi mais pra fazer graça com o título do que com a idéia do escrito em si.

Seja como for, a metáfora permanece:
- O que é melhor? Pessoas que não sabem chamar elevadores porque simplesmente não os entendem? Ou indivíduos imaturos que chegam, entram no elevador, o comandam pra parar em diversos lugares, fazem uma bagunça, e saem, deixando aquela zona de botões apertados em diversos lugares pra quem entrar depois?

Num dia ruim, odiaria a ambos os tipos!

Mas, no dia em que me aconteceu isso que mencionei antes, entrei com outras 2 pessoas, que nem sequer conhecia. E todos ríamos. E, a cada pessoa que entrava - e, principalmente, a cada pessoa que ficava "molesta" com isso - ríamos mais. Até parecia que tinha sido um de nós que fez aquilio, que se tratava de um bando de sacanas, marmanjos que não cresceram... Foi divertido.

(Foge um tanto da tua "proposta". Mas encare esse ponto-de-vista: existem pessoas que sabem chamar elevadores. E até disso tiram proveito.)

Renata de Aragão Lopes disse...

(muitos risos)

Texto realista
e bem humorado! : )

Mas sabe
o que mais me espanta?
É o número expressivo
de pessoas que ainda temem
fazer uso de elevador!

Um beijo, Lu!
E obrigada pelo baita elogio
que me deixou no doce de lira!

Talita Prates disse...

Ótimo texto, Lu,
com belos argumentos e metáforas.
Passagens primorosas, como o
"Cansei de me emprestar assim por pouco."
e
"Odeio quem não sabe chamar por mim."

Um bjo, querida.

Luciane Slomka disse...

Acho interessante quando um post suscita comentários distintos.

Não era nem mau-humor, nem ironia, nem irritação.

O que era? Não sei definir.

Mas acho que nem precisa...

Obrigada pelos comentários

Beijos

Fran disse...

Oi Luciane. É meio desolador saber 2 coisas:
- nem todo mundo lê e entende manuais de instruções.
- se já é difícil que se obedeça as intruções quase auto-explicativas de botões de elevadores, imagina entender "os nossos botões"
As pessoas estão diante do óbvio e questionam, estão no caminho para descer, mas querem subir, e o ser humano é esta confusão aí mesmo. De um lado a distração que encontra razão em existir tanto em indivíduos sem noção quanto naqueles que escolheram a alienação para fugir do estresse do dia-a-dia. De outro, há você (e mais gente do que você pensa) e sua tolerância se esgotando com a maldita rotina.
Aposto que acontece sempre - com você, com muitos de nós e com os elevadores.
Beijo e boa semana!

Luciane Slomka disse...

Concordo muito contigo, Francinele! Obrigada pela tua releitura!

Guilherme Franco disse...

A estupidez das pessoas não vale teu sofrimento.

Beth disse...

Lu, estás cada vez melhor!
Beijos e saudades!

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

texto maravilhoso!
e concordo com a Talita em letras vírgulas pontos...

beijo

AdriB. disse...

Ótimo post, guria! Adorei.

bjs