segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Carpinejar, pantufas e novas coragens

Eu fui para o campo para aprender a escrever crônicas. E acabei fazendo uma oficina de tantas coisas. Oficina de escrever, comer, conversar e cantar. A viagem até Picada Café já é linda, com o sol da manhã por entre as árvores na já conhecida Rota Romântica. Chegamos cedo, conforme sugerido. Fomos recebidos num espaço aberto, silencioso e calmo. Tomamos banho de rio, comemos uma cuca recém feita, ainda quentinha. Almoçamos divinamente, assim como todas as outras refeições. E à tarde estavamos todos os participantes, de pés descalços, sentados em círculo esperando por Fabrício.

Ele chega e começa a soltar seu verbos. Verbos, substantivos, adjetivos e risos. E dali vieram informações, sugestões, críticas, opiniões. Recebemos vento, trovões, raios de sol. Disse ele que quem não é cruel consigo não consegue ser generoso com os outros. Que a escrita deve ser esse exercício de crueldade consigo mesmo, de se achincalhar, de rir de si mesmo, de brincar com nossas limitações, com nossa própria história, com nossos dramas.

A gente não pode escrever para se proteger,
ele também nos disse. É preciso escrever para se expôr, para colocar merthiolate na ferida aberta, sangrando, e sentí-la arder. Só então posso contar alguma coisa interessante a quem quiser ouvir. E também não é para agradar ninguém, não é para que ninguém goste mais ou menos do meu texto ou de mim (aliás, sou quem eu escrevo, escrevo o que sou?). A vaidade está sempre no pacote mas não pode ser ela quem rege minha escrita. Escrevo para vomitar no papel. Escrevo para tentar achar palavras que dêem vida e forma aos meus sentimentos e pensamentos mais profanos e mundanos. Porque não existem verdades, existem versões. E a formalidade distancia. A simplicidade aproxima. É preciso aprender a arte de ser simples. Cru. Visceral.

Ele transformou um aquário em um ninho de peixes. Ele transformou a morte de uma avó antes do carnaval numa quarta feira de cinzas antecipada. Transformou a própria morte em uma garrafa vazia.

Escrever é isso.

E convívio é isso: Conhecer pessoas, tomar banho de rio, conviver com o silêncio, se aproximar da paz, comer bem, rir, estar de pés descalços, rir de homens que usam pantufas, rir com perucas. Cantar com vozes doces e violões. Cantar com poesia.

E obrigada a uma pandorga que esteve por lá voando comigo que me deu um presente em forma de diálogo de filme:

"- Mas não foi uma escolha. Simplesmente aconteceu...

- É, mas é assim que se escolhe quando não se tem coragem: deixando acontecer"

12 comentários:

marcelo disse...

Coisa boa ler esse post Lú! Se ainda não ficou claro a mensagem: valeu por ter me dado força para ir! Acredito que fomos todos picados pelo veneno do Carpinejar, a magia do lugar e o contato com as pessoas.

Luciane Slomka disse...

Com certeza, mano! Valeu a tua companhia. Sempre.

Daniel disse...

tudo culpa tua. agora eu acho que sou cronista, guria bonita.

e mataria por aquele pão quentinho agora.

Luciane Slomka disse...

Eu tenho certeza que tu é cronista. Culpa nossa de topar esse desafio.
E, bah, eu quero pão quentinho, banho de rio e o pecado da carne. Agora.

Nádia Lopes disse...

aaaaaaaaaah LU
que DELICIOSIDADE esse teu post vou salvar pra me relembrar tudo de lindo que vivemos e que escrever é se confrontar!
Aliás acordei com saudade de tudo aquilo...Ah, vocês são ótimos cronistas e ainda muito melhores companhias "na rua, na chuva na fazenda, ou numa casinha de sape"...ergo minhas mãos para o céu e agradeço..beijoooo

Dona ervilha disse...

Que delícia mesmo este post. Eu senti tudo de novo, bem fresquinho: a cuca quentinha, a grama ardendo de calor, o silêncio, o convívio, a presença do Fabrício, a crônica ainda para ser escrita... foi tão bom, né!?

Luciane Slomka disse...

Então um viva a nós, cronistas e blogueiros! Obrigada pelo carinho!

Flavio Ferrari disse...

Uma pequena ressalva ...
Na minha opinião, quem não é generoso com sigo não pode ser generoso com os outros.
Como também sou cronista ("Tirando o Macaco" - Ed. Biruta), embora não lá muito bom, também tenho direito a opinião ...

Luciane Slomka disse...

Todo o direito à opinião, Flávio. Claro que temos que aprender a ser generosos conosco, concordo contigo, mas acho que o exercício da crueldade é muito mais difícil e é aquele que nos faz encarar nossos pudores, nossos preconceitos e fraquezas, e é esse o combustível para escrevermos crônicas. Se só ficarmos na generosidade ou no lugar comum não escreveremos nada de novo. Mas que bom termos opiniões contrárias, ressalvas e discordâncias. Bem-vindo sempre com as tuas sempre que existirem!

Cinthya Verri disse...

Oi Luciane,
que beeeem esse teu blog.
Adorei, linkei, etc, etc.
Beijos meus pra ti.

Wania disse...

Oi, Luciane...que delícia aquele final de semana... em todos os sentidos, realmente participamos de um banquete de muitas coragens! Muito bem dito por ti!
Todos nós nos fartamos!
No meu caso, o meu olho foi maior que a barriga!
Comi tanto que passei mal por dias.
Acabei vomitando um BLOG.
Se quiseres me dar o prazer de tua visita, ficarei muito feliz!
Te espero lá: http://encantaventos.blogspot.com/
Beijos!

Luciane Slomka disse...

Oi Cinthya! Muito bem vinda! Também já fui lá te visitar e amei! Beijão e aparece!
***
Wania! Que vômito mais produtivo esse hein? Deixa então que venha para fora tudo que te alimenta, tudo que te enoja, tudo que te encanta e assombra, pois depois de começar esse vício aqui, fica dificil de parar! Beijao!