quinta-feira, 9 de abril de 2009

Do esquecimento

Esquecer é lembrar que a saudade já virou a esquina
Para perceber que esqueci preciso lembrar do que um dia fui
Tenho saudades de tantas coisas que esqueci e sinto falta do que ainda me é desconhecido
Anseio pela saudade de mim porque esquecer requer envolvimento
Estar preso às memórias é viver um futuro que jamais existiu
É preciso esquecer para lembrar do que realmente nos é caro
É preciso esquecer para revelar novas fotografias
Mas esquecer não é perder
É guardar o passado para poder abrir o presente do futuro.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A entrevista parte II: O amor mais puro que há


Luciane, como fazes para te suportar?

Ah, essa pergunta eu me faço sempre. E na maioria das vezes não sei exatamente como eu me suporto. Só sei que na medida em que a gente vai ficando mais “analisada” consegue lidar melhor com os próprios fantasmas. Consegue encarar as nossas partes mais feias sem fugir delas ou então sem tentar achar que elas somem pelo simples fato de serem vistas. É um processo demorado. E o grande lance é tolerar que elas existem, que elas estão ali, à espreita. Mas quando a gente já conhece elas, as nossas neuroses, nossos pontos nevrálgicos inconscientes que nos levam a tomar repetidas atitudes que fazem mal aos outros e muito mais a nos mesmos, a gente fica mais alerta. Dá um cansaço enorme, já vou avisando. Eu me canso em minha vigília.. Porque já fiz muita merda... E cansei de me dar desculpas e de pedir desculpas. Não quero mais repetir erros. Errar eu sei que sempre vou de uma maneira ou de outra, mas então que sejam erros novos, erros sadios, erros honestos. Mas lidar com essa tendência de errar, essa tendência de repetir as merdas e poder se aguentar, se olhar e se frear é um exercício constante e que eu confio que pode dar certo.
Por isso eu digo que eu venho me suportando bem. Tenho conseguido. Não sem penar. Não sem pesar. Porque fazer as coisas do jeito antigo parecia mais confortável. Mas eu já estava começando a estragar demais a minha vida. E agora chega. Agora eu começo a sentir que se eu me suportar talvez eu encontre um outro que me suporte também e eu possa aprender a suportar o outro em seus defeitos e sofrimentos. Acho que é mais ou menos isso...

Falas em suportar o outro. Achas que isso é amor?
Ai, não sei. Por que tínhamos que entrar nesse tema? Eu acho que ainda estou descobrindo o que é o amor verdadeiro. Amar alguém não é estar sempre querendo ficar com essa pessoa. É querer ver a pessoa livre, alçando vôos, para voltar ainda mais bela para embelezar o meu mundo. E eu preciso disso, que o outro me alimente de riquezas internas, de devaneios e sonhos. Nunca fui possessiva. Mas admito também que já fui descuidada. E pouco exigente. Tão pouco que isso já foi encarado como despreocupação ou menos valia. Talvez porque eu tenha medo de contar demais com o outro. Talvez porque eu não tenha conseguido compreender que quando sou amada o outro se interessa por mim, se preocupa comigo. Se eu não ligo, se eu digo que fui a algum lugar e fui a outro. Mas a linha é tão tênue que as vezes isso pode ser confundido com controle. E eu acho que durante muito tempo precisava da sensação de ser controlada, muito por meus descontroles internos, e eu suscitava isso no outro. Mas depois isso me dava uma raiva tremenda, óbvio. Mas eu pedi por isso! Não parece maluco? A questão é que esse controle que eu sempre precisei nunca tinha que ser dever de um homem. Não cabe a nenhum parceiro assumir esse papel. Isso é uma construção interna, que só agora venho percebendo e fazendo. Eu é quem preciso me cuidar. E se eu transmitir ao outro que tenho essa capacidade posso ser digna de confiança, porque vou me cuidar muito bem, e conseqüentemente posso cuidar bem de um amor dentro de mim, e não esquece-lo e muito menos maltrata-lo, como já tanto fiz.
É, dói ver que não sou sempre boa. Mas talvez vendo minhas fraquezas e até minha maldade eu possa permanecer verdadeira e leal.

Mas então como saber quando se está amando alguém?
Acho que isso não se sabe. Isso se sente e se admite ou não. Fujo um pouco desse sentir porque as vezes julgo que tenho um “amar” idealizado na minha cabeça. Um companheiro idealizado. E isso não existe. Para mim, que lido com vida e morte diariamente, tenho percebido que amar é quando eu sinto que estaria ao lado dessa pessoa até ela morrer, custe o que custar, ou então que se tudo desse errado e se eu recebesse uma notícia de uma doença fatal, além da minha família nuclear, essa pessoa seria quem eu queria que permanecesse ao meu lado até meu último suspiro. E não poderia ser qualquer um. Tem que ser quem me escute, quem aperte minha mão, me olhe no olho e não sejam nem mais necessárias tantas palavras. Alguém que me leia. Para que seja meu obituário eterno.
A morte traz consigo o amor mais puro que há.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Salada de frutas com sorvete

Hoje de manhã precisei ir ao centro da cidade.

Minha primeira reação foi de desagrado, especialmente pelo fato de saber que eu iria ao centro de carro, o que torna tudo sempre mais dificil. E mais ainda porque eu precisava ir à prefeitura resolver pendências de IPTU. Sim, um saco.

Mas fui. A manhã estava lindíssima. Coloquei meu carro em um daqueles gigantes estacionamentos do centro e fui caminhando até a Prefeitura. Ao contrário do que eu esperava, fiquei impressionada positivamente com a agilidade com a qual fui atendida. No balcão de informações já fui instruída para qual setor deveria me dirigir de acordo com minha necessidade, já empunhando uma senha de atendimento. Cheguei no andar e só havia (milagrosamente) uma pessoa à minha frente. Logo fui chamada. Ar-condicionado, bom atendimento e ainda recebi uma noticia muito melhor do que a que eu imaginava referente ao IPTU em si. Saí me sentindo feliz e fui então celebrar minha boa surpresa quanto ao imposto atrasado que não era tanto, comendo uma salada de frutas com sorvete do Mercado Público.

Foi nesse trajeto, da Prefeitura ao Mercado, com o sol lindo dessa manhã de início de outono, que fiquei feliz em ver como Porto Alegre é bonita, como nosso Mercado Público é bonito, como nossa gente é bonita. Fiquei vendo os caminhões chegando com peixe fresco para a venda no mercado, aquela gritaria alegre, aquela confusão deliciosa de uma cidade, e eu ali espectadora dessa feira livre de humanidade. Aliás, como é bom poder andar a pé pelo centro para observar essas pequenas grandezas. Estava com saudades disso. Cheguei feliz ao estacionamento, peguei meu carro e fui trabalhar satisfeita.

Sei lá, senti uma alegria de ser gaúcha, de ver Porto Alegre assim Alegre. Adoro quando consigo ver minha cidade de sempre com olhos de como nunca. Como se eu fosse uma turista.

Ah, e a salada de frutas com sorvete de creme continua a mesma. Imbatível.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ah, essas segundas feiras poéticas...

Brancas paredes

Solidão em família no ano novo

A verdade que tu merecias. Bobagens para agradar.

Todos os meus devaneios moram nos felinos.

Minhas roupas que tem o nosso cheiro.

Soltando a língua das chaminés.

Desespero quando perco o que sempre tentei achar.

Deus não avisa quando machuca.

Tu és uma pessoa rara.

Meus ombros caídos

O sal fica escondido no lodo.

Sempre usei a crueldade quando o outro menos esperava

Os meus farelos são aproveitados pelas formigas.

O mosquito que picou a pessoa mais inquieta vai penetrar no meu cadáver.

Eu faria tudo igual, mas com mais arrepios.

Um bolo de chocolate só meu.

Mãos fortes e lágrimas.

Queria poder confiar numa mulher.

O fogo é o pai da neve.

Eu dobraria meu corpo para a morte

O silêncio é um roubo para mim

A brisa é violenta porque te leva constantemente de mim

Sempre pedi perdão mais do que devia e quando não merecia e por isso perdi meu direito de ser perdoada de verdade, agora que o mereço.

Laranjas não se apagam. Amargam.

Ingenuidade ignorante é maldade com bondade.

Sorrir com os olhos é o diálogo perfeito.

Na parte superior do guarda roupas eu escondo o mais profundo dos meus invernos.

Merda, esqueci das minhas primeiras quedas para esquecer o sofrer e foi então que aprendi a dar falsos sorrisos.

Mais grave do que pisar em vidro é voar sem ver estrelas.

Mais grave do que pisar em palavras é esquecer de lembrá-las.

A solidão nunca termina, só encontra outras.

O mundo debaixo da mesa é o teto de um planeta inteiro.

Toalha de mesa é o lençol das cadeiras.

Nunca mais encontrei os cristais quebrados da minha avó.

Inferno é o vazio

A espuma é o gozo do mar.

E de repente teu cheiro me assalta.

Abrigo

Preciso de um albergue para os meus sonhos órfãos

sábado, 4 de abril de 2009

Cara a Cara


Luciane entrevista Luciane

Aparentemente sempre gentil e doce. Onde achas que depositas tua agressão?
Sou agressiva na minha docilidade. Acho que é aí que consigo ser ainda mais cruel quando preciso. E sei que isso desnorteia quem convive comigo. Acho que o pior golpe é aquele silencioso, que vem disfarçado. Venho me esforçando para ser declaradamente má quando necessário, para que as pessoas saibam o que sinto de verdade.

Mas como saber quando é necessário?
Quando meu corpo grita. Tenho me esforçado para tentar escutá-lo. Tentar sentir quando minha palpitação sobe, quando a ira chega, e poder declará-la na hora, a quem merece, ao invés de deslocá-la contra mim mesma e contra quem me quer bem. Porque sei que ao final do dia a derrotada sou eu pela minha própria agressão. Vou saber que é necessário quando meu corpo latejar e as veias pulsarem de um jeito diferente. Então tento aliviar essa pressão antes que vire enxaqueca, um mal que sempre me afligiu mas que tenho conseguido superar.

Sempre diz que ama escrever, que sonha em publicar um livro. Falta coragem?
Por incrível que pareça, acho que falta humildade. Eu tenho tantas idéias, acho o trabalho que eu faço tão rico de significantes, de material que eu poderia aproveitar, que parece que só poderia publicar algo se fosse brilhante, se emocionasse as pessoas. Na verdade é uma mega onipotência da minha parte, eu reconheço. Mas como eu duvido que conseguiria isso, essa grandeza literária, eu me calo. Eu espero. Por trás da minha aparente humildade sei que mora uma grande egocêntrica. E tenho vergonha dela.

Vergonha por que?
Porque acho feio a vaidade. E sei que não devia. Sei que ela é vital, e tenho exercitado isso. Mas ainda estou longe de lidar bem com esse meu lado. Tenho 1,80m e me encolho em festas. Faltam omoplatas e trapézios para fora. Meu circo fica todo encolhido. Sei que tento parecer mais uma quando no fundo quero ser o centro. É complicado. Só comecei a usar salto alto no ano passado. É uma questão de aceitar quem sou. Aceitar o meu tamanho. Tentar me afirmar. Minha altura até agora não tinha encontrado minha estatura. Agora preciso assumir que sou grande. Preciso lidar com a grandeza e a pequeneza de mim mesma.

Qual é o teu sonho? E o que está faltando para chegares lá?
Meu sonho não é um lugar concreto. São conquistas. São sensações que quero adquirir e outras que não quero perder jamais. Uma delas é a de ter um filho. Mas antes disso é preciso ter uma família. Acredito que um casal pode ser uma família antes mesmo dos filhos chegarem. Eu ainda acredito na família. Não aquele conceito decrépito da instituição família, moral e coisa tal. Me refiro ao sentimento família.
Sonho seguir trabalhando na minha área e escrever um livro sobre minha vivências. Ainda não sei que tipo de livro será. Se serão histórias, ficção, romance, poesia, ou um livro didático para profissionais da minha área. E, lógico, sonho com uma estabilidade financeira que me permita desfrutar de uma vida tranquila, poder viajar, comer boas comidas, viver aventuras novas. Mesmo que seja no mesmo lugar.
Mas o meu maior sonho mesmo, que é a base para todos os outros, é que meu corpo me permita viver muitos e muitos anos com saúde, para ainda poder sofrer, tremer, chorar, sorrir, ser feliz até se arrepiar. E tenho consciência de que não tenho esse poder sobre ele. Não governo meu corpo. Nós convivemos bem há 30 anos e eu cuido dele como posso para que ele não me abandone tão cedo.
E quer saber, acho que para chegar lá não falta nada. Eu já estou no caminho. Só preciso seguir acreditando nisso.

Mas será que já aprendestes a lidar com a solidão?
Ainda estou conquistando esse aprendizado. Acho que o maior desafio já não é mais o de lidar com a solidão, mas sim o de desvendar esse mundo todo que carrego dentro de mim. Poder diferenciar quem sou e respeitar isso. Ser minha maior serva.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sempre fui sótão

Sótão é aquele lugar aparentemente escondido da casa, onde se guarda o que não se quer mais, mas também é o local mais cheio de mistérios. O menos óbvio. E por isso mesmo é o menos visitado. Só pelos mais corajosos.
Sempre fui sótão. 
Sempre quis ir "até lá em cima"...no lugar escondido, que ninguém enxerga, lá onde fica o que ninguém quer enxergar. É lá que eu estou, foi com esse sótão que eu decidi trabalhar. Obviamente, é mais fácil espiar o sótão dos outros do que o meu próprio. Acho que sempre me senti meio sótão. E sempre fiquei questionando se as pessoas queriam vir até mim. Se queriam me descobrir. Se tinham curiosidade por mim. Se teriam a coragem de subir as escadas e descobrir o que guardo aqui dentro.
Mas agora percebo que estou gostando do meu sótão. Estou podendo olhar para tudo o que ele escondia e ainda esconde. E estou podendo lidar com tudo o que eu não posso e nem devo enxergar ainda. Porque certos mistérios também não tem que ser sempre desvendados. Afinal, qual seria o atrativo de um sótão se ele fosse limpo e organizado?