sexta-feira, 19 de julho de 2013

Vida, interrompida



"I feel tougher and braver". Assim define-se a americana que resolveu mostrar ao mundo a sensação de enfrentar um câncer antes dos 30. A série de vídeos tem o nome de "Life, interrupted", e foi produzido pelo New York Times e já indicado ao Emmy 2013!

Uma maneira direta e verdadeira de compartilhar as dores e as lições de passar por uma situação como esta. Ainda estou trabalhando para colocar legendas, mas para quem já puder compreender, as lições que ela traz fazem-nos pensar que a vida vale sempre a pena, não importa qual seja. E embora nossa vida possa ser sempre e a qualquer momento interrompida, pode e deve ser retomada de uma maneira muito mais verdadeira e forte.

Bom final de semana!

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O resgistro de uma dor invisível


           O câncer é um estereótipo, quase um clichê, assim como a vida. O ensaio publicado por Ângelo Merendino em homenagem à batalha que sua esposa travou diante de um câncer de mama é retratada em fotos contundentes, afetivas e impactantes, que tem como propósito a busca por um olhar menos preconceituoso e temeroso sobre quem vive esse diagnóstico.



Um olhar ingênuo diria que são fotos em cronologia, desde o início do relacionamento do casal até o início do tratamento quimioterápico culminando com a morte de Jennifer, sua esposa. Porém, esse ensaio é muito mais do que isso. O objetivo de Ângelo foi fazer com que as pessoas conhecessem mais sobre a doença, fizessem um exercício de empatia e, mais do que tudo, ele queria mostrar que o apoio e a vontade de viver do paciente é fundamental. Nas imagens podem-se perceber detalhes importantes. É marcante em muitas delas o olhar dos outros frente à esposa. Olhares de surpresa, de compadecimento, de incompreensão. As pessoas tem muita dificuldade em enxergar sua própria finitude diante de seus olhos. Somos uma sociedade embriagada de uma ilusão de imortalidade que só é rompida – quando o é – por situações como essa, por pessoas que decidem se expor e mostrar suas fragilidades para que as pessoas possam sensibilizar-se e pensar também sobre como vem vivendo suas próprias vidas e como elas próprias agiriam caso se vissem diante de um desafio como o que Ângelo e Jennifer enfrentaram.



 
Ouse olhar cuidadosamente para essas lindas imagens. Não porque a morte seja linda, porque sabemos que não é, mas porque a vida é linda, e precisamos constantemente lembrar que não é eterna, que não somos imbatíveis. Por vezes, a melhor forma de curar uma dor - como a de perder uma jovem esposa para uma doença ainda tão incompreensível como o câncer - pode ser torna-la concreta e palpável, mesmo que através de imagens, para digeri-la com menos sofrimento e para mostrar a outras pessoas que é preciso estar-se atento ao próprio corpo, atento à própria vida, para que não a percamos mesmo quando ainda temos saúde. Esse ensaio é o retrato de uma batalha de 5 longos anos.

Se valeram a pena? Ele afirma que não trocaria esses 5 anos que viveu com ela por nada no mundo.



Fonte: http://www.hypeness.com.br/2013/03/marido-registra-5-anos-de-luta-de-sua-mulher-contra-o-cancer-em-fotos-emocionantes/

Matéria da Revista Eléve Jun/Jul 2013


terça-feira, 9 de julho de 2013

AMORTE


Qual foi a primeira palavra que vocês leram aqui? Amor? Morte? A morte? Como pode amor e morte se unirem de tal forma? Serão sentimentos opostos? Certamente não. E hoje, meu enfoque ao tratar de um tema tão amplo, tão multifacetado mas ao mesmo tempo tão singelo e simples será abordar o amor sob a ótica da morte, o amor como companheiro inseparável da vida e da morte.

O dicionário me surpreendeu com os seguintes significados para a palavra amor: 1 Sentimento que impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso. (Ora, o que será belo, digno ou grandioso?) 2 Grande afeição de uma a outra pessoa de sexo contrário. (sexo contrário? Como?) 3 Afeição, grande amizade, ligação espiritual. 4 Objeto dessa afeição. (Sim, o amor requer um alvo)5 Benevolência, carinho, simpatia. 6 Tendência ou instinto que aproxima os animais para a reprodução. 7 Desejo sexual. 8 Ambição, cobiça: Amor do ganho. 9 Culto, veneração: Amor à legalidade, ao trabalho. 10 Caridade. 11Coisa ou pessoa bonita, preciosa, bem apresentada. 12 Filos Tendência da alma para se apegar aos objetos.

Quantas palavras importantes e que nos fazem pensar. Mas nenhuma dessas definições consegue para mim, defini-lo. Porque ele é indefinível. Amor é afeição, amizade, ligação e também poder e cobiça. Flávio Gikovate escreveu há pouco tempo o texto “O amor no terceiro milênio”, onde diz, entre tantas coisas interessantes, que a palavra de ordem deste século é parceria. “Estamos trocando o amor de necessidade pelo amor de desejo. Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso dela- o que é muito diferente.”
Fato, o amor mudou. Nossas exigências também mudaram e nossos medos também. Realmente, parece que ninguém mais necessita de um amor para ser feliz. Mas será mesmo? Será que não seguimos, em nossa essência, os mesmos apaixonados dos versos de Luiz de Camões, feridos de uma dor que não se sente, padecendo de um contentamento descontente? Acho que estamos em uma década de negação da necessidade e da dependência. Parece fraqueza precisar. Eu entendo a necessidade como uma luta contra a morte. Não a morte orgânica, concreta, mas sim a morte emocional, morte da metáfora. Precisar nos faz inventar, e é inventando novas formas de amor que nos tornamos eternos.

Morre-se de amor em filmes, na literatura, nas canções. O amor precisa da morte assim como a morte precisa da vida. E por mais que pareça incompatível, a morte está impregnada de amor e o amor impregnado de morte. Se não soubéssemos que vamos morrer, viveríamos mal, e ao não saber que temos um prazo de validade, viveríamos como se fôssemos eternos. E mesmo sabendo, já vivemos dessa maneira, já somos tão descuidados com nossos afetos... Com o amor a coisa funciona mais ou menos do mesmo jeito. Precisamos temer que acabe para cuidar e querer mantê-lo, cuida-lo, mas também não podemos a toda hora temer que acabe e que vamos perde-lo pois do contrário amar seria tarefa insuportável e torturante. Ufa. Como amar e precisar sem sucumbir?

Talvez Hilda Hilst me ajude com essa:

“Estou viva.
Mas a morte é música.
A vida, dissonância.
Minha alegria é como
Fim de outono porque
Tive nas mãos ainda flores
Mas flores estriadas de sangue.

Há cristais coloridos
Nos teus olhos.
Vida viva nos teus dedos

Estou morta
Mas a morte é amor.”

Estou morta mas a morte é amor. Amar é um pouco morrer-se, abandonar-se à sorte de se ver no outro. E como assusta essa entrega. Assusta porque enxergamos no outro o que somos, e independente de isto ser algo bonito ou não, é difícil ver uma parte nossa detendo tanto poder sobre nós e com vida própria, autônoma. A impotência de percebermos que não podemos controlar nem nosso próprio pedaço que demos aquele outro - e na verdade a gente esquece que “deu” esse pedaço, parece mesmo é que ele nos foi tomado por esse alguém que antes era um desconhecido. Então eu tento controla-lo. Tento dominá-lo. Morrendo de medo, morrendo de amor, morrendo de ciúme quando não me sinto exclusiva. O ciúme, assim como o amor, também é uma morte. E ao meu ver, uma morte ainda pior do que a verdadeira. O ciúme, nos diz Roland Barthes, é um sofrimento para quem o sente, mais do que para qualquer outro. Diz ele: “Como ciumento, sofro 4 vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme fira o outro, porque me deixo sujeitar por uma banalidade: sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”.
Ciúme também é morte porque no momento em que estamos enciumados matamos a dupla que formamos com o nosso ser amado e inserimos uma terceira pessoa, que nem mesmo é aquela para qual dirigimos toda nossa hostilidade. A morte é de nossa imagem perante nós mesmos. Quando sinto ciúmes estou me matando, estou matando um sentimento de entrega e afeto e inalando perda. A dupla vira um trio e esse triangulo perfura minha identidade de apaixonada. Não acho saudável a ausência completa de ciúmes, até porque quem ama sempre teme a perda. Um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, é o “ADAPTAÇÃO”, onde Nicholas Cage interpreta irmãos gêmeos, escritores. Um é o irmão artista, famoso, que deu certo. O outro é o irmão tímido, introspectivo, com a autoestima derrubada e frustrado, sempre enxergando no irmão o retrato do que nunca conseguiu se tornar. Então, na minha cena favorita, ambos estão se escondendo de um casal em um pântano. O irmão até então corajoso e destemido aparece apavorado, sem saber o que fazer, mencionando seu grande medo de morrer. Ele diz:
“ - Não quero morrer, Donald, não quero morrer! Eu desperdicei minha vida.
- Não diga isso, e você não vai morrer!”
- Desperdicei, desperdicei... Eu te admiro, Donald. Sabia? Passei a vida paralisado, me preocupando com o que as pessoas pensavam de mim, e você, você tão distraído...
- Não sou distraído.
- Não, você não entende. Isso é um elogio! Uma vez na escola eu estava vendo você pela janela da biblioteca. Você conversava com a Sarah Marsh.
- Ah, eu estava tão apaixonado por ela....
- Eu sei. E estava paquerando ela. Ela estava sendo gentil com você...
- Eu me lembro disso...
- Quando você saiu, ela começou a debochar de você com uma amiga. Foi como se elas estivessem rindo de mim. E você, não sabia de nada...parecia tão feliz...
- Eu sabia. Eu ouvi tudo que elas falaram.
- Então por que estava feliz?
- Eu amava Sara, Charles. Aquele amor era meu. Pertencia a mim. Nem Sara tinha o direito de me tirar ele. E eu posso amar quem eu quiser.
- Mas ela te achava patético!
- (Ele ri) Bom, isso era problema dela, não meu. VOCE É O QUE VOCÊ AMA, NÃO O QUE AMA VOCÊ.

Nós somos o que amamos, não o que nos ama. E isso nos dá poder, mesmo que nosso amor esteja depositado no outro, ele é nosso, está em nós e por isso nos pertence.
Eu trabalho ha quase dez anos com pacientes oncológicos em um hospital. Lido com perdas e mortes reais. E o amor está ali o tempo todo. Amor vivido, amor escondido, amor subjugado, amor mal vivido. Na hora em que vemos nossa finitude nos encarar, é preciso recorrer a essa capacidade de amor que temos, uns mais outros menos. E nem por isso, nem mesmo frente ao caos, precisamos sucumbir. Porque o que afoga não é a enchente, o que afoga é não saber nadar. Para quem não aprendeu a nadar até lago parado afoga. E o amor é isso, lago parado e oceano ao mesmo tempo, às vezes calmo, às vezes com correntezas. A questão é a nossa capacidade de estar sempre aprendendo novas técnicas para nadar em mares tão bravios. Vejo pessoas morrendo mal. E chamo morrer mal de morte com relações vazias, com coração vazio. Pessoas que morrem sem terem se despedido, sem nunca terem conseguido dizer que amam aqueles que amam. Isso para mim é o maior dos desamores.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Voltando a crer!

Após meses de ausência, mas nunca sem abandonar a literatura, volto a escrever por aqui trazendo meu segundo texto como colaboradora do site Literatortura. Espero que gostem. Estou de volta.

http://literatortura.com/2013/05/29/ate-a-morte-fotografo-retrata-o-avanco-do-cancer-em-sua-esposa-e-comove-o-mundo/

sábado, 8 de dezembro de 2012

5 MINUTOS PARA AS 7


Eu desperto antes mesmo do alarme tocar
Sozinha, prestes a ser arremessada à realidade
pelo meu sono leve que não me leva

Uma dor aperta meu peito e impede que eu me mova:
Inacreditável ter que recomeçar 
Impensável suportar esse viver fugaz

Me dói pensar em quem não pensa
Me cansa sentir por quem não sente

Tudo parece estúpido e pastoso
E acordar torna-se uma tarefa vã.
Uma repetição de respirações e aspirações,
fôlegos e suspiros que mensuram uma vida.

Mexo-me, com dificuldade e preguiça,
Tocando em seu corpo quente e liso.
Ele nem parece saber de toda essa minha violenta angustia
Dorme calmo, protegido de mim e de toda essa finitude

O despertador finalmente toca
Eu levanto e me adormeço.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

18 horas e 30 minutos


Ontem sonhei com minha mãe. Sonhei que ela ainda não havia morrido, mas que já estava prestes a partir. Eu estava preocupada em enxergá-la, em saber como estava se sentindo - se tinha medo, se queria falar sobre isso. Em nenhum dos sonhos que já tive com ela nesses 3 meses consigo ter certeza se posso ou não ajuda-la. Não sei se a ajudei quando ela partiu. Fui eu quem estava ao seu lado no momento final. Ela respirava com dificuldade. Cada inspiração era um esforço descomunal. Teimava em permanecer viva. O tempo entre uma respiração e outra foi crescendo e eu percebi o que estava acontecendo. Só pensava nas palavras “Pode ir, mãe. Pode ir, mãe”. E ela foi. E ainda assim não sei se a ajudei. Não sei se conversei com ela o tanto quanto eu gostaria para poder me despedir. Era uma sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

O adeus nunca parece o suficiente. Eu conversei com ela muitas vezes sobre isso, e sei que ela sabia que estava prestes a morrer. Olhando para trás fica difícil não pensar que algo a mais poderia ter sido dito, que algo a mais não deveria ter sido feito. Eu pedi a ela para que, caso houvesse algo além deste mundo, ela me avisasse, que se comunicasse comigo. Até agora o único sinal são os sonhos recorrentes. A Psicologia explica-os como uma forma de elaboração do luto. Eu não quero explicação nenhuma, mas sei que esses sonhos ajudam-me a suportar o nunca mais.  Somos tão fracos, tão despreparados para o não existir. Eu ainda venho aprendendo a conceber essa impossibilidade. Perder a possibilidade da imaginação do reencontro é a pior das saudades. Era uma sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

Nossa relação não era como nos filmes, nem como nas novelas. Houve conflitos, diferenças, brigas e uma luta enorme da minha parte para adquirir minha autonomia emocional, para me descolar de um modelo que não me servia, como uma roupa larga demais que insistimos em usar e faz com que sumamos em meio aos panos todos e percamos nossos contornos. Eu me agradeço por ter feito esse desencaixe emocional antes dela partir. Quando eu estava agachada ao lado dela naquela cama dizendo “Pode ir, mãe. Pode ir”, eu estava dando adeus a Sara, não a Luciane. Era sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

Mas a Luciane que fica sente saudades. Uma saudade que vai se ajustando e transformando com o passar do tempo. Sei que hoje ela ainda é muito física. Parece uma longa viagem das tantas que ela fez ao longo da vida e da qual logo estará de volta. E a realidade confronta-me com um tapa forte na cara, arrasta-me para o prosseguir, nessa vida que muitas vezes arranca-me qualquer sentido maior. E me pego a questionar porque essa vida maluca, porque tudo isso que fazemos, trabalhamos e corremos, dormimos mal e amamos mal. Era sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

Eu gostei dela ter falecido no final da tarde. Tenho uma teoria completamente empírica que pacientes terminais não terminam pela manhã. A grande maioria morre no final de tarde e principalmente à noite. A manhã não pode conter a morte, porque a manhã é esperança, é recomeço, é vida. A manhã é o amanhã, mesmo nos acusando que acaba de ter enterrado o ontem. Manhãs não matariam, jamais. Manhãs podem empurrar, esmagar, sufocar, às vezes, mas jamais matar. Eu amo as manhãs que me empurram, mesmo me perguntando em muitas delas o porquê disso tudo, o porquê do perder, o porquê desse maldito nunca mais que me faz perder a compreensão de tudo que diz fazer sentido.