quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Descrição de um sonhado encontro


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Primeiro eu vou sentir um perfume leve e sutil no ar. Não será marcante demais. Afinal, eu nunca quis ser óbvia e muito menos evidente. Custei a descobrir que sou para percepção de poucos.

Em seguida, vou dirigir meu olhar para encontrar esse perfume. Vejo cabelos voando, soltos, cacheados, livres de secadores de cabelo ou chapas de metal, em uma morena que aprendeu a abrir as omoplatas como se fossem asas maleáveis, que aceitam rajadas de vento e até alguns rasgos. Sim, eu não hei de queimar mais os meus cabelos e nem minhas asas.

Vou caminhar até ela, mas a chegada não será tão simples e rápida como um passo após o outro. Finalmente eu vou ter aprendido a não fazer de meu acesso um local tão irrestrito e fluído. Criei minhas senhas pelo caminho e fui deixando pistas a quem se intrigasse por minha cartografia.

Quando eu tocar em seu ombro, ela vai se virar suavemente. Primeiro vai me olhar, com olhos amendoados serenos mas questionadores; serenos mas que denunciarão uma idade da alma que poucos terão chegado e que deixarão claro o quanto foi custosa essa viagem.

Só depois de um tempo longo o suficiente para um olhar que irá chegar carregado de toda prosa do mundo, ela vai me sorrir tranquila, mostrando os dentes com leveza e discrição, e com uma voz calma, segura e poética, me dirá:

"Bem-vinda"

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

...


A vida é uma ilusão coberta de verdades.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Só isso.

Tem dias que a minha humanidade me cansa.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Da urgência de sermos nossos regentes


"Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia."

(Fernando Pessoa em O livro do Desassossego)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Carta para um velho safado


Prezado Charles,


Escrevo-te porque me preocupo contigo. Mentira. Escrevo-te porque preocupo-me comigo e sinto por ti um desprezo que me incomoda mas me atrai. Mal nos conhecemos, já li algumas coisas suas. Gosto, mas não muito. Confesso que isso tudo pode estar alojado em um violento asco pela maneira como você se refere às mulheres, mas acho que compreendo tal necessidade. Fato é que me parece apelativo esse seu caminho escatológico de lidar com a vida, com o amor e o sexo (Aliás, acreditas no amor?). Você parece fazer questão de expressar as palavras mais grotescas e chulas, achando que isso o torna um pessimista profundo? Desculpe, mas a mim não convence. Acho que você não sofre como faz parecer que sofre. Por exemplo, se eu escrever, no meio dessa minha carta, um 

"Hank, seu grande filho da puta. Por que não podes suportar me comer direito?"

todo mundo olharia diretamente para essa frase e interessar-se-ia por essa carta pelo simples fato de ver uma palavra suja, e consequentemente achar que algo desse teor estaria envolvido nela. As pessoas precisam que alguém extravase no lugar delas não é mesmo? Talvez você me ache uma romântica idealista e boba, e que meus textos cativam mulheres solitárias e mal amadas, apenas. Até pode ser. Eu sou uma solitária. Se não fosse, porque diabos estaria eu escrevendo uma carta a alguém que eu supostamente desprezo? Às vezes tenho pena de mim, ao contrário do que transpareço em minhas ultimas entrevistas na TV. Talvez não sejamos tão diferentes, afinal. Eu, fingindo uma profundidade atrás dessa rudeza e pequeneza feminina, e tu fingindo boemia e transgressão atrás dessa insegurança masculina.

A verdade é que hoje percebo que existem os homens, as mulheres e os escritores. Talvez a gente não tenha as habilidades normais das pessoas para nos relacionar. Eu não descobri o mundo através de uma barata como minha personagem Joana, e você, velho safado, não me parece ter comido tantas bundas como escreves. Somos mentirosos muito bem sucedidos, não lhe parece? E as pessoas nos adoram por acharem que somos verdadeiros e expressamos desejos que são ocultos em todos e que todos gostariam de colocar em palavras. 

Não sei, Buk (permita-me tal intimidade. Comecei essa carta para achincalhar-te e agora tenho em ti um rápido amigo) mas talvez meu sentimento de desprezo por ti esteja me atrapalhando e fazendo com que eu esteja te desrespeitando. Mas acho que isso não te preocupa nem um pouco, certo? Talvez eu precise fazer as mulheres me amarem, ao passo que tu necessita fazer com que elas te odeiem. Somos farsantes solitários.

Paro por aqui desculpando-me pelo desabafo, e agora não mais secretamente desejando que um dia quem sabe ainda possamos nos sentar juntos, depois de uma noite de amor, fumando um cigarro e tomando um bom whisky, para que tu me digas quem sou eu em teus olhos e me ensine um pouco mais sobre nossos podres todos.




Clarice



terça-feira, 22 de novembro de 2011

Parada

Será que você consegue compreender o que eu sinto? São apenas pequenos medos, aqueles de sempre. Um medo rápido que eu sempre sinto nas quartas-feiras é aquele em que eu começo a enxergar cada vez menos ouvidos à minha frente. Sabe, não há mais gente que saiba escutar. As pessoas amam falar e não suportam ouvir. Eu tenho medo de não ter com quem calar. As melhores coisas são aquelas que a gente consegue dizer com a boca depois de lamber com a alma. Sabe lamber um pensamento? Saliva também é ácida, suaviza e aliza as idéias. As boas se apuram, as idiotas afogam. Vai chegar um dia que todo mundo vai se encantar com programas de televisão e vai deixar de ouvir uma música linda só porque ela não está alta o suficiente para tirar as pessoas de suas ficções. Eu não sei o que eu sinto, eu tenho raízes amarradas com as de tanta gente e ainda assim igual a minha história ninguém tem. Mas eu gosto de enxergar aquelas pessoas com quem eu sei que divido sementes. No dia em que eu me embriago eu consigo sentir as minhas pernas bambas e isso me faz me sentir um pouco menos ridicula. Um pouco menos ingênua. Eu saio beijando bocas que não existem porque eu sou um pouco afônica. Ok, você nem sabe das minhas lutas, sei que você nem sabe de verdade quem eu sou, mas eu te olho nessa página e crio uma vida inteira para você. E na minha cabeça você é realmente ótima, sabia? Ótima e com muita sorte. Ótima e sempre cheirosa e pronta. Eu sigo sempre atrasada e sempre em vias de. Hoje essa luz está um pouco mais fraca que o de costume. Por ora nada gira, eu tomo uma coca-cola com bastante gelo no meu copo, acendo meu cigarro e paro de pensar.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Segunda-feira


Hoje é segunda-feira e um menino de 16 anos está prestes a morrer.

Hoje é segunda-feira e sei que inúmeros outros meninos, meninas, homens e mulheres também devem estar prestes a morrer. A diferença é que esse menino de 16 anos me conhece. Esse menino já pegou na minha mão. Esse menino já chorou comigo, revoltado por não poder mais jogar vôlei, ir ao shopping com os amigos, namorar.

Hoje é segunda-feira e já que sei que esse menino está prestes a morrer, nada mais parece ser assim tão importante. A reciclagem de lixo, a camada de ozônio, a globalização, os jogos panamericanos, a política. Tudo parece tão pequeno e ao mesmo tempo é dessa pequeneza desse mundo fútil e até bobo que esse menino de 16 anos já sente falta desde que adoeceu. Ele queria poder ter direito de viver toda essa bobagem que a gente vive. Toda essa futilidade televisiva e digital. Toda essa preocupação que a gente adquire quando cresce: trabalho, contas a pagar, prestações,... Futuro. Essa bobagem toda que se chama ilusão de futuro e que tanto nos angustia. Ele se preocupa com essa nossa estúpida ausência de futuro que ele percebe diariamente, estar se esvanecendo.

Hoje é segunda-feira e me dá um vazio no peito ao me sentir pequena e impotente perante esses caminhos que a vida vai nos oferecendo. Sei que a vida é assim, que essas coisas acontecem. Sei também que fui eu quem escolhi estar frente a frente com essa verdade, de forma diária e constante.

Mas eu sei que hoje é segunda-feira e que eu tenho a doce ilusão de ainda ter muitas segundas-feiras a minha espera. E eu sei que nessa história toda o que me entristece é o fato  de que, mais do que eu conhecer esse menino de 16 anos que está prestes a morrer, ele me conhece. Ele me olhou nos olhos e nesse olhar ele me roubou mais um pouco da minha ingenuidade. Mais um pouco da minha inocência. Isso me endurece um pouco ao mesmo tempo que me adoça. É dificil explicar. Eu não tenho medo da morte. Eu tenho medo é de não percebe-la e de não criá-la, para que quando ela chegue eu não seja pega desprevenida, em uma segunda-feira qualquer.

Hoje é segunda-feira e um menino de 16 anos está prestes a morrer.

Hoje é segunda-feira e, talvez, quem sabe, hoje, a vida faça um pouco menos de sentido. E faz?