quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Carta para um velho safado


Prezado Charles,


Escrevo-te porque me preocupo contigo. Mentira. Escrevo-te porque preocupo-me comigo e sinto por ti um desprezo que me incomoda mas me atrai. Mal nos conhecemos, já li algumas coisas suas. Gosto, mas não muito. Confesso que isso tudo pode estar alojado em um violento asco pela maneira como você se refere às mulheres, mas acho que compreendo tal necessidade. Fato é que me parece apelativo esse seu caminho escatológico de lidar com a vida, com o amor e o sexo (Aliás, acreditas no amor?). Você parece fazer questão de expressar as palavras mais grotescas e chulas, achando que isso o torna um pessimista profundo? Desculpe, mas a mim não convence. Acho que você não sofre como faz parecer que sofre. Por exemplo, se eu escrever, no meio dessa minha carta, um 

"Hank, seu grande filho da puta. Por que não podes suportar me comer direito?"

todo mundo olharia diretamente para essa frase e interessar-se-ia por essa carta pelo simples fato de ver uma palavra suja, e consequentemente achar que algo desse teor estaria envolvido nela. As pessoas precisam que alguém extravase no lugar delas não é mesmo? Talvez você me ache uma romântica idealista e boba, e que meus textos cativam mulheres solitárias e mal amadas, apenas. Até pode ser. Eu sou uma solitária. Se não fosse, porque diabos estaria eu escrevendo uma carta a alguém que eu supostamente desprezo? Às vezes tenho pena de mim, ao contrário do que transpareço em minhas ultimas entrevistas na TV. Talvez não sejamos tão diferentes, afinal. Eu, fingindo uma profundidade atrás dessa rudeza e pequeneza feminina, e tu fingindo boemia e transgressão atrás dessa insegurança masculina.

A verdade é que hoje percebo que existem os homens, as mulheres e os escritores. Talvez a gente não tenha as habilidades normais das pessoas para nos relacionar. Eu não descobri o mundo através de uma barata como minha personagem Joana, e você, velho safado, não me parece ter comido tantas bundas como escreves. Somos mentirosos muito bem sucedidos, não lhe parece? E as pessoas nos adoram por acharem que somos verdadeiros e expressamos desejos que são ocultos em todos e que todos gostariam de colocar em palavras. 

Não sei, Buk (permita-me tal intimidade. Comecei essa carta para achincalhar-te e agora tenho em ti um rápido amigo) mas talvez meu sentimento de desprezo por ti esteja me atrapalhando e fazendo com que eu esteja te desrespeitando. Mas acho que isso não te preocupa nem um pouco, certo? Talvez eu precise fazer as mulheres me amarem, ao passo que tu necessita fazer com que elas te odeiem. Somos farsantes solitários.

Paro por aqui desculpando-me pelo desabafo, e agora não mais secretamente desejando que um dia quem sabe ainda possamos nos sentar juntos, depois de uma noite de amor, fumando um cigarro e tomando um bom whisky, para que tu me digas quem sou eu em teus olhos e me ensine um pouco mais sobre nossos podres todos.




Clarice



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