quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Carta para mim


E não é que o pai tinha razão? Eu realmente achava que seria sempre estranha, sempre desengonçada e que os guris sempre iam rir de ti, mesmo já grande como estás, por tu seres magrela como eu e que nem precisaria usar sutiã, como eu. E aconteceu o que ele disse. Tu ficou bonita, não ficou? Ah, diga que ficou e que tu perdeu essa mania da gente de sempre se achar mais ou menos e não enxergar tua beleza!

Hoje tu estás aí, toda adulta e grande. Psicóloga, como tu sempre sonhou. Estás conseguindo simplesmente "ajudar as pessoas" como eu sempre quis? Espero que não tenhas te tornado uma chata, aquelas psicólogas frescas que ficam enrolando e não falam nada de prático. Estás conseguindo ter tua casa, teu emprego e tua vida como o sonhado? Ok, já vi que a vida de agora não permite que tu tivesse cumprido meu ideal de ter filhos antes dos 30, tudo bem. Mas espero que tu não tenha perdido a certeza que eu sempre tive de que a gente seria uma ótima mãe. Seremos, não?

Eu fico te observando daqui de longe e sei que tu sentes a minha falta, que tu vem aqui quietinha, sem alarde, me espiar um pouco de vez em quando, só para não esquecer como é bom ser criança, né? Pode vir sempre que tu quiser, mas não esquece o quanto tu quis ser adulta, o quanto tu quis chegar onde tu chegou. Sim, obviamente as coisas não estão sendo exatamente como a gente imaginava, né? Fico te olhando daqui e pensando que realmente as pessoas nos confundem, os sentimentos não são mais tão óbvios como a gente pensa. Pessoas se perdem, perdem coisas. Os adultos complicam tanto... Tudo quem sabe pode ser, tudo talvez seja,.... Um saco.

Deixa eu só te dizer: a gente gosta de comer banana com leite puro, a gente gosta de fazer sons engraçados com a boca, a gente gosta de tocar flauta no banheiro porque o eco fica legal. A gente gosta de brincar de secretária e de paquita. Não esquece, tu nunca quis ser a Xuxa.

Agora vai lá que tu tens que trabalhar e eu preciso brincar. A vida é sempre séria e sempre uma piada. A gente não é a Barbie mas pode sempre fantasiar que é. Aliás, vi que tu encontrou o teu Ken, né? Tu nunca vai ser "feliz para sempre" como as nossas Barbies são, mas a tua história é de verdade. Imagina só, talvez tu até já tenha descoberto o que é amor de verdade! E não fica achando que a vida é mais simples para mim só porque ainda sou criança. Dá um trabalho enorme te ser criança, para poderes ser a mulher que tu te tornou.

Um beijo enorme, te cuida e seja o mais feliz que tu puderes...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cuidado ao chorar

Esse é das lágrimas, o maior mal:
Desaperceber que podem ser feitas
Muito mais de hábito do que de sal.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

poema da pele

Eu tenho braços largos
cheios de saudades infindas
Junto a meus internos pagos
e do que mais tu pintas

Sou poeta do corpo,
de tudo que nele mais habita
Preciso de vácuo e sorrisos,
pois não há em mim o que se repita

Mas cansa estar em minha pele
quando sei que sou só entranhas
porque nunca fiz dele façanhas
e não há nem quem por ele vele

Meu corpo companheiro
Onde sinalizo dor e medo
Faça de minhas unhas teu enredo
dessa pele assim, toda sem roteiro

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Vida espetáculo.


- Eu vivo um paradoxo que me congela: eu tenho medo que a vida cotidiana me roube da escrita, mas minha escrita se alimenta dessa mesma vida.  

- Esse não é um paradoxo, sabe por que? Porque a escrita não se alimenta dessa vida aparente, essa vida domesticada da qual tu achas que extrai tua fonte. A escrita verdadeira germina da vida selvagem, da vida paixão, vida sem regras, vida sem moral.

- Ok, mas eu não consigo viver essa vida. Eu vivo a vida domesticada mesmo!

- Perfeito. Eu também. Porque, na verdade, ninguém suporta viver nessa vida impulso que eu exaltei há pouco. Porque se todos a vivessem ela já não seria clandestina e nem selvagem! Seria vida comum. E ela precisa ser rara e incomum para poder ser sentida como voraz, errante e louca. É preciso viver a vida palco, roteirizada, para ter a vida bastidores, que é a que realmente interessa, que é a que nos faz respirar e escrever. Eu sei que a vida é um espetáculo sem chance para ensaio, mas eu acredito em coxias e em camarins.

- Mas existe mesmo esse lugar?

- Eatamente onde você está. Agora vai, entra em cena.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Descrição de um sonhado encontro


***
Primeiro eu vou sentir um perfume leve e sutil no ar. Não será marcante demais. Afinal, eu nunca quis ser óbvia e muito menos evidente. Custei a descobrir que sou para percepção de poucos.

Em seguida, vou dirigir meu olhar para encontrar esse perfume. Vejo cabelos voando, soltos, cacheados, livres de secadores de cabelo ou chapas de metal, em uma morena que aprendeu a abrir as omoplatas como se fossem asas maleáveis, que aceitam rajadas de vento e até alguns rasgos. Sim, eu não hei de queimar mais os meus cabelos e nem minhas asas.

Vou caminhar até ela, mas a chegada não será tão simples e rápida como um passo após o outro. Finalmente eu vou ter aprendido a não fazer de meu acesso um local tão irrestrito e fluído. Criei minhas senhas pelo caminho e fui deixando pistas a quem se intrigasse por minha cartografia.

Quando eu tocar em seu ombro, ela vai se virar suavemente. Primeiro vai me olhar, com olhos amendoados serenos mas questionadores; serenos mas que denunciarão uma idade da alma que poucos terão chegado e que deixarão claro o quanto foi custosa essa viagem.

Só depois de um tempo longo o suficiente para um olhar que irá chegar carregado de toda prosa do mundo, ela vai me sorrir tranquila, mostrando os dentes com leveza e discrição, e com uma voz calma, segura e poética, me dirá:

"Bem-vinda"

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

...


A vida é uma ilusão coberta de verdades.