segunda-feira, 12 de novembro de 2012

18 horas e 30 minutos


Ontem sonhei com minha mãe. Sonhei que ela ainda não havia morrido, mas que já estava prestes a partir. Eu estava preocupada em enxergá-la, em saber como estava se sentindo - se tinha medo, se queria falar sobre isso. Em nenhum dos sonhos que já tive com ela nesses 3 meses consigo ter certeza se posso ou não ajuda-la. Não sei se a ajudei quando ela partiu. Fui eu quem estava ao seu lado no momento final. Ela respirava com dificuldade. Cada inspiração era um esforço descomunal. Teimava em permanecer viva. O tempo entre uma respiração e outra foi crescendo e eu percebi o que estava acontecendo. Só pensava nas palavras “Pode ir, mãe. Pode ir, mãe”. E ela foi. E ainda assim não sei se a ajudei. Não sei se conversei com ela o tanto quanto eu gostaria para poder me despedir. Era uma sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

O adeus nunca parece o suficiente. Eu conversei com ela muitas vezes sobre isso, e sei que ela sabia que estava prestes a morrer. Olhando para trás fica difícil não pensar que algo a mais poderia ter sido dito, que algo a mais não deveria ter sido feito. Eu pedi a ela para que, caso houvesse algo além deste mundo, ela me avisasse, que se comunicasse comigo. Até agora o único sinal são os sonhos recorrentes. A Psicologia explica-os como uma forma de elaboração do luto. Eu não quero explicação nenhuma, mas sei que esses sonhos ajudam-me a suportar o nunca mais.  Somos tão fracos, tão despreparados para o não existir. Eu ainda venho aprendendo a conceber essa impossibilidade. Perder a possibilidade da imaginação do reencontro é a pior das saudades. Era uma sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

Nossa relação não era como nos filmes, nem como nas novelas. Houve conflitos, diferenças, brigas e uma luta enorme da minha parte para adquirir minha autonomia emocional, para me descolar de um modelo que não me servia, como uma roupa larga demais que insistimos em usar e faz com que sumamos em meio aos panos todos e percamos nossos contornos. Eu me agradeço por ter feito esse desencaixe emocional antes dela partir. Quando eu estava agachada ao lado dela naquela cama dizendo “Pode ir, mãe. Pode ir”, eu estava dando adeus a Sara, não a Luciane. Era sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

Mas a Luciane que fica sente saudades. Uma saudade que vai se ajustando e transformando com o passar do tempo. Sei que hoje ela ainda é muito física. Parece uma longa viagem das tantas que ela fez ao longo da vida e da qual logo estará de volta. E a realidade confronta-me com um tapa forte na cara, arrasta-me para o prosseguir, nessa vida que muitas vezes arranca-me qualquer sentido maior. E me pego a questionar porque essa vida maluca, porque tudo isso que fazemos, trabalhamos e corremos, dormimos mal e amamos mal. Era sexta-feira, 18 horas e 30 minutos.

Eu gostei dela ter falecido no final da tarde. Tenho uma teoria completamente empírica que pacientes terminais não terminam pela manhã. A grande maioria morre no final de tarde e principalmente à noite. A manhã não pode conter a morte, porque a manhã é esperança, é recomeço, é vida. A manhã é o amanhã, mesmo nos acusando que acaba de ter enterrado o ontem. Manhãs não matariam, jamais. Manhãs podem empurrar, esmagar, sufocar, às vezes, mas jamais matar. Eu amo as manhãs que me empurram, mesmo me perguntando em muitas delas o porquê disso tudo, o porquê do perder, o porquê desse maldito nunca mais que me faz perder a compreensão de tudo que diz fazer sentido.

Um comentário:

CarinA disse...

Nós somos tão cheios de detalhes, se fossemos apenas carne não deixaríamos para trás tantas marcas.
Eu acredito no reencontro. E quando eu partir, se não houver nada além disso aqui, não fará diferença alguma a minha crença. Entretanto eu escolho crer para ver.

Luciane,

Tuas palavras sempre me inspiram. Tu és uma joia preciosa, de longe vemos o brilho. Obrigada por compartilhares experiências. Quando eu olho para pessoas como você fortaleço a ideia de que esse mundo é muito raso para a profundidade do nosso ser.

Beijos, Carina.