quinta-feira, 17 de junho de 2010

E você, consumou a sua vida?



Diálogo entre Josef Breuer e Friedrich Nietzsche:

"- Está claro agora que nosso principal erro foi considerar Bertha como alvo. Não escolhemos o inimigo certo.

- E ele é...?

- Você sabe, Josef! Por que fazer com que eu diga? O inimigo certo é o significado oculto de sua obsessão. Pense em nossa conversa de hoje; repetidamente, temos retornado aos seus temores do vazio, do esquecimento, da morte. Isso está no seu pesadelo, no solo se liquefazendo, em seu mergulho pela laje de mármore. Está no seu medo do cemitério, em suas preocupações com a ausência de sentido, em seu desejo de ser observado e lembrado. O paradoxo, o seu paradoxo, é que você se dedica à busca da verdade , mas não consegue suportar a visão do que descobre.

- Mas também você, Friedrich, deve estar assustado com a morte e a ausência de Deus. Desde o comecinho tem me perguntado: "Como suporta isso? Como é que você conseguiu se haver com esses horrores?"

- Talvez seja hora de lhe revelar - respondeu Nietzsche, assumindo ares grandiloquentes - Até agora, eu achava que você ainda não estava preparado para me ouvir.

Breuer, curioso quanto À revelação de Nietzsche, resolveu, ao menos dessa vez, não objetar à sua voz de profeta.

- Não ensino, Josef, que se deva "suportar" a morte ou "aceitá-la". Isso seria trair a vida. Eis minha lição para você: Morra na hora certa!

- Morrer na hora certa!? - A frase abalou Breuer. O agradável passeio vespertino tornara-se terrivelmente sério. - Morrer na hora certa? O que quer dizer? Por favor, Friedrich, eu já disse mil vezes que não aguento mais ouvi-lo dizer coisas importantes de forma tão enigmática. Por que faz isso?

- Você fez duas perguntas. A qual delas devo responder?

- Hoje, fale sobre morrer na hora certa.

- Viva enquanto estiver vivo! A morte perde o que tem de pavoroso quando a pessoa morre depois de haver consumado a própria vida! Quando não se vive no tempo certo, não se consegue morrer na hora certa.

- O que significa isso? - Perguntou Breuer novamente, ainda mais frustrado.

- Pergunte a si mesmo, Josef: Você consumou a sua vida?

- Você responde a perguntas com perguntas, Friedrich.

- Você faz perguntas que já sabe responder - revidou Nietzsche.

- Se eu soubesse a resposta, por que perguntaria?

- Para evitar conhecer sua própria resposta."


*Do excelente livro "Quando Nietzsche Chorou", de Irvin Yalom

4 comentários:

Dois Cafés disse...

esse livro é muito bom!
beijos, Lu!

RICARDO GALVÃO disse...

Luciane,
adoro nietzsche, mas este livro é uma viagem, um romance...os fatos ali verdadeiros são só os históricos...
LEIA do mesmo autor:
A CURA DE SCHOPENHAUER....

muitíssimo melhor....

Nádia Lopes disse...

ah, eu adorei esse livro e todos os outros dele, é um grande diálogo...grata por trazer de novo e destacá-lo...
beijoooo

Talita Prates disse...

Que delícia poder reler isso!

Adorei esse livro!
Também tenho o filme - que deixa muito a desejar ao livro, como toda adaptação.

Saudade daqui, Lu!

Bjo grande e doce,

Talita.